terça-feira

As Chamas e o Caldeirão, Fábulas de Leonardo Da Vinci


As Chamas e o Caldeirão
  
Entre as cinzas mornas uma brasa ainda brilhava. Com muito cuidado, muita economia, usava o restante de suas forças, alimentando-se apenas para manter-se viva.
Porém chegou a hora de preparar a sopa no fogo, e então puseram lenha na lareira. Um fósforo, com sua pequenina chama, reavivou a brasa que já parecia morta. E uma língua de fogo lambeu a madeira acima da qual havia sido colocado o caldeirão.
Animado pela madeira seca, o fogo começou a crescer, expulsando o ar adormecido entre as toras e brincando com os pedaços de madeira. E divertiu-se correndo por baixo e por cima da lenha, dando voltas em torno, espalhando-se cada vez mais.
Em seguida as labaredas começaram a projetar-se da madeira, abrindo muitas janelas das quais saiam chuveiros de brilhantes fagulhas. Sombras escuras dançavam na cozinha.
Enquanto isso as chamas tornavam-se cada vez mais alegres, brincando com o ar em torno e começando uma cantiga que era um doce crepitar.
Em seguida, vendo que crescera além da madeira, o fogo começou a mudar. Geralmente humilde e quieto tornou-se orgulhoso e prepotente, achando que concedera o dom da chama àqueles pedaços de lenha.
Começou a soprar nuvens de fumaça e a encher a lareira de explosões e chuvas de fagulhas. Decidido a voar até o céu, atirou para o alto suas grandes chamas... E extinguiu-se no fundo negro do caldeirão.

Leonardo da Vinci

As Chamas, Fábulas de Leonardo Da Vinci


As Chamas
  
As chamas brilhavam há mais de um mês na fornalha do soprador de vidro, onde eram feitos vidros e garrafas.
Um dia viram aproximar-se uma vela colocada num castiçal fino e brilhante. Imediatamente, com um desejo ardente, as chamas tentaram aproximar-se da linda vela.
Uma delas, saltando da brasa que a alimentava, virou-se de costas para a fornalha e, passando através de uma pequenina fresta, atirou-se para cima da vela, devorando-a sofregamente.
Porém a ávida chama logo consumiu a pobre vela e, não desejando morrer com ela, tentou voltar para a fornalha de onde havia fugido.
Porém não conseguiu desgrudar-se da cera amolecida e, em vão, gritou para as outras chamas, pedindo socorro.
A chama rebelde transformou-se numa sufocante fumaça, e deixou todas suas irmãs resplandecentes, com a perspectiva de uma vida longa e brilhante.

Leonardo da Vinci

A Rede, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Rede
  
Naquele dia, como todos os dias, a rede subiu carregada de peixes. Carpas, barbos, lampreias, trutas, enguias e muitos, muitos outros peixes foram para as cestas dos pescadores.
Lá no fundo da água do rio, os sobreviventes, assustados e com medo, não ousavam se mexer. Famílias inteiras já haviam sido enviadas para o mercado. Diversos cardumes tinham caído na rede e terminado na frigideira. Que fazer?
Um grupo de jovens peixes promoveu uma reunião atrás de uma pedra e decidiu se revoltar.
- É uma questão de vida ou morte - disseram eles - todos os dias essa rede afunda na água, cada vez num local diferente, para nos aprisionar e nos levar embora de nosso lar. Vai acabar nos matando a todos, e o rio ficará sem peixe algum. Nossos filhos têm direito à vida e precisamos fazer alguma coisa para livrá-los deste flagelo.
- E que podemos fazer? - perguntou uma truta que seguira os conspiradores.
- Destruir a rede - responderam os outros em coro.
As enguias encarregaram-se de rapidamente espalhar a notícia dessa corajosa decisão e convocaram todos os peixes para um encontro na manhã seguinte, numa pequena enseada protegida por altos salgueiros.
No dia seguinte, milhões de peixes de todos os tamanhos e idades reuniram-se para declarar guerra à rede.
A liderança foi entregue a uma sábia e velha carpa, que por duas vezes conseguira escapar da prisão, mordendo as malhas da rede.
A liderança foi entregue a uma sábia e velha carpa, que por duas vezes conseguira escapar da prisão, mordendo as malhas da rede.
- Ouçam com atenção - disse a carpa - a rede é da largura do rio, e todas as malhas têm um chumbo preso por baixo, para que a rede afunde. Dividam-se em dois grupos. Um dos grupos suspenderá os pesos de chumbo e os carregará até a superfície, e o outro segurará as malhas por cima com firmeza. As lampreias vão serrar com os dentes a corda que mantém a rede esticada entre as duas margens. As enguias vão partir já, para fazer uma inspeção e nos informar em que local a rede foi lançada.
As enguias partiram. Os peixes formaram grupos ao longo das margens. Os barbos encorajavam os mais tímidos, relembrando-lhes o triste fim de tantos amigos e exortando-os a não terem medo de ficarem presos na rede, porque daquele dia em diante nenhum homem seria mais capaz de arrastá-la para a margem.
As enguias retornaram, missão cumprida. A rede fora lançada a uma milha dali.
Então todos os peixes, como uma frota gigantesca, partiram atrás da velha carpa.
- Tomem cuidado - disse a carpa - pois a correnteza pode arrastar vocês para dentro da rede. Sigam devagar e usem bem as nadadeiras.
E então viram a rede, cinzenta e sinistra.
Os peixes, acometidos de súbita fúria, nadaram para atacar.
A rede foi suspensa por baixo, as cordas que a seguravam foram cortadas, as malhas foram rasgadas. Mas os peixes, enfurecidos não largavam mais sua presa. Cada um segurava na boca um pedaço de malha e abanando fortemente as caudas e as nadadeiras, puxavam de todos os lados a fim de rasgar e destruir a rede. E a água parecia estar fervendo enquanto os peixes finalmente libertavam o rio daquele perigo.

Leonardo da Vinci

A Raposa e a Pega, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Raposa e a Pega
  
Certo dia uma raposa esfomeada viu-se debaixo de uma árvore sobre a qual estava pousado um bando de barulhentas pegas.
Escondendo-se para não ser vista, a raposa pôs-se a observar. Notou que os pássaros mantinham-se constantemente em busca de alimento e não temiam sequer pousar sobre cadáveres de animais a fim de bicá-los.
- Vou fazer uma experiência - disse a raposa para si mesma.
Cautelosamente, no maior silêncio, deitou-se no chão e permaneceu imóvel, de boca aberta, como se estivesse morta.
Breve uma pega a viu e imediatamente vôou para o chão.
Aproximou-se da raposa e, pensando que ela estava morta, pôs-se a bicar-lhe a língua.
Porém a pega deveria ter sido mais prudente, pois a raposa a apanhou.

Leonardo da Vinci

A Pulga e o Carneiro, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Pulga e o Carneiro


Certo dia, uma pulga que morava no pêlo macio de um cachorro, sentiu um agradável cheiro de lã.
- Que será isso?
Deu um salto e viu que o cachorro adormecera encostado à pele de um carneiro.
- Esta pele é exactamente o que preciso - disse a pulga - é mais espessa e mais macia, e principalmente mais segura. Não corro o risco de ser encontrada pelas patas e pelos dentes do cachorro, que a toda hora me procuram. E a pele do carneiro deve ser, certamente, mais agradável.
Então, sem mais pensar, a pulga mudou-se de casa, saltando das costas do cachorro para a pele do carneiro. Porém a lã era espessa, tão espessa que era difícil atravessá-la para chegar até a pele. Tentou e tornou a tentar, separando pacientemente os fios, procurando laboriosamente um caminho. finalmente atingiu as raízes dos pelos, mas eles eram tão juntos que ficavam praticamente encostados uns nos outros. A pulga não encontrou sequer um furinho através do qual pudesse atingir a pele do animal.
Cansada, banhada em suor e profundamente desapontada, a pulga resignou-se a voltar para o cachorro. Porém o cachorro não estava mais lá.
Pobre pulga! Chorou dias a fio de arrependimento por seu erro.

Leonardo da Vinci

segunda-feira

O Lírio, Fábulas de Leonardo Da Vinci


O Lírio - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Nas verdes margens do rio Ticino um belo lírio mantinha-se reto e alvo em sua haste, mirando o reflexo de suas brancas pétalas na água. A água ansiava possuir o lírio.
A cada ondulação da superfície passava a imagem da linda flor branca. E o desejo da água voltava-se para as ondulações que ainda estavam por vir.
E assim todo o rio começou a estremecer e a correnteza tornou-se rápida e turbulenta. A água não conseguiu arrancar o lírio, que mantinha-se firme no alto de sua forte haste, e então atirou-se furiosamente contra a margem, que foi arrastada pela inundação.
E junto com a margem foi-se a linda e solitária flor.


Leonardo da Vinci

A Ostra e o Caranguejo, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Ostra e o Caranguejo - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Uma ostra estava apaixonada pela Lua. Sempre que a Lua cheia brilhava no céu ela passava horas olhando-a boquiaberta.
Um caranguejo viu, de seu posto de observação, que durante a Lua cheia a ostra ficava completamente aberta, e decidiu comê-la.
Na noite seguinte, quando a ostra se abriu, o caranguejo colocou um pedregulho dentro da concha.
A ostra, imediatamente, tentou fechar-se novamente, porém o pedregulho impediu que assim o fizesse.

Moral da Estória:
Isso acontece a qualquer pessoa que abra a boca para contar seus segredos. Há sempre um ouvido à escuta.


Leonardo da Vinci

A Ostra e o Camundongo, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Ostra e o Camundongo - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Uma ostra viu-se, juntamente com um grande número de peixes, dentro da casa de um pescador, pouco distante do mar.
- Vamos todos morrer - pensou a ostra ao ver seu companheiros espalhados pelo chão, quase asfixiados.
Um camundongo veio passando.
- Escute, camundongo! - disse a ostra - será que você pode fazer favor de me levar para o mar!
O camundongo olhou para a ostra: era grande e bonita. Devia ser deliciosa.
- Certamente - respondeu o camundongo, decidido a comê-la - mas você precisa abrir sua concha, porque assim, fechada desse jeito, não posso carregá-la.
A ostra abriu cautelosamente a concha e o camundongo imediatamente meteu o focinho para abocanhá-la. Porém, em sua pressa, enfiou demais a cabeça e a ostra fechou-se, prendendo o roedor pelo pescoço. O camundongo deu um grito. Um gato ouviu, veio correndo e devorou-o.


Leonardo da Vinci

A Noz e o Campanário, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Noz e o Campanário - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Um corvo pegou uma noz e levou-a para o topo de um alto campanário. Segurando a noz com as patas começou a bicá-la para abri-la. Porém subitamente a noz rolou para baixo e desapareceu numa fresta do muro.
- Muro, meu bom muro - suplicou a noz, percebendo que estava livre do bico do corvo - pelo amor de Deus, que foi tão bom para você, fazendo-o alto e forte, e enriquecendo-o com esses belos sinos de tão belo som, salve-me, tenha pena de mim! Meu destino era cair entre os velhos ramos de meu pai - prosseguiu a noz - permanecer no rico solo coberto de folhas amarelas. Por favor, não me abandone! Quando eu estava sendo atacada pelo terrível bico daquele corvo feroz, fiz um voto. Prometi que, se Deus me permitisse escapar, eu passaria o resto de minha vida dentro de uma frestinha.
Os sinos, num doce murmúrio, avisaram o campanário que tomasse cuidado porque a noz podia ser perigosa. Porém o muro, teve compaixão e decidiu abrigá-la, deixando-a ficar onde havia caído.
Porém dentro em breve a noz começou a abrir e a estender raízes nas frestas da pedra. Em seguida as raízes forçaram caminho por entre os blocos de pedra e surgiram galhos que saíam pela fresta. Os galhos cresceram, tornaram-se mais fortes e estenderam-se para o alto, acima do topo da torre. E as raízes, grossas e enroscadas, começaram a fazer buracos nos muros, empurrando para fora todas as velhas pedras.
O muro percebeu, tarde demais, que a humildade da noz e seu voto de ficar escondida numa fresta não eram sinceros. E arrependeu-se de não ter dado ouvido aos sinos.
A nogueira continuou a crescer e o muro, o pobre muro, desmoronou e ruiu.


Leonardo da Vinci

A Neve, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Neve - Fábulas de Leonardo Da Vinci

No cume de uma montanha muito alta havia uma pedra. E na borda da pedra havia um floco de neve.
A neve olhou para o Universo em torno e pôs-se a pensar consigo mesma:
- As pessoas devem achar que sou convencida e presunçosa, e é verdade! Como pode um pedacinho de neve, um mero floco de neve, como eu, permanecer aqui no alto sem sentir vergonha? Qualquer pessoa que olhe para esta montanha pode ver que todo o resto da neve está mais embaixo. Um pequenino floco de neve, como eu, não tem direito a alturas tão vertiginosas, e chego a merecer que o Sol faça comigo o mesmo que fez ontem com meus companheiros, derretendo-me com um simples olhar. Mas vou escapar á justa ira do Sol descendo para um nível mais apropriado para alguém tão pequeno como eu.
Ao dizer isto, o pequenino floco de neve, rígido de frio, atirou-se do alto da pedra e rolou para baixo do cume da montanha. Porém quanto mais rolava maior se tornava. Em breve transformou-se numa grande bola de neve e depois em avalanche. Finalmente parou numa colina, e a avalanche era tão grande quanto a colina que ficava por baixo dela.
E por isso, quando chegou o verão, essa foi a última neve a ser derretida pelo Sol.


Leonardo da Vinci

A Navalha, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Navalha - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Era uma vez uma navalha de excelente qualidade, que morava numa barbearia. Um dia em que a loja estava vazia ela resolveu dar uma voltinha. Soltou-se do cabo e saiu para apreciar o lindo dia de primavera.
Quando a navalha viu o reflexo do Sol em si mesma, ficou surpresa e encantada. A lâmina de aço lançava uma luz tão brilhante que, subitamente, com excessivo orgulho, a navalha disse a si mesma:
- E eu vou voltar para aquela loja de onde acabei de fugir? É claro que não! Os deuses não podem querer que uma beleza tal como a minha seja desonrada desta maneira. Seria loucura ficar aqui cortando as barbas ensaboadas daqueles camponeses, repetindo sem cessar a mesma tarefa mecânica! Será que minha beleza foi realmente feita para um trabalho desses? Certamente não! Vou esconder-me num local secreto e passar o resto da vida em paz.
E em seguida foi procura um esconderijo onde ninguém a visse.
Passaram-se meses. Um dia a navalha teve vontade de respirar ar fresco. Saiu cautelosamente de seu refúgio e olhou para si mesma.  Ai, que acontecera? A lâmina estava horrorosa, parecendo uma serra enferrujada, e não refletia mais a luz do Sol.
A navalha ficou muito arrependida pelo que havia feito, e lamentou amargamente a irreparável perda, dizendo:
- Oh, como teria sido melhor se eu tivesse conservado em forma a minha linda lâmina, cortando barbas ensaboadas! Minha superfície teria permanecido brilhante e minha borda afiada! Agora aqui estou eu, toda corroída e coberta de uma horrível ferrugem! E não há nada a fazer!

Moral da Estória:
O triste fim da navalha é o mesmo que sucede às pessoas inteligentes que preferem ser preguiçosas a usar seus talentos. Essas pessoas, assim como a navalha, perdem o brilho e a parta afiada de seu intelecto, sendo logo corroídas pela ferrugem da ignorância.


Leonardo da Vinci

A Língua e os Dentes, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Língua e os Dentes - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Era uma vez um menino que tinha o mau hábito de falar mais que o necessário.
- Que língua! - suspiraram os dentes certo dia - nunca fica parada, nunca sossega!
- Por que é que vocês estão resmungando? - perguntou a língua em tom arrogante - vocês, os dentes, são meros escravos, e seu trabalho resume-se em mastigar o que eu decidir. Não temos nada em comum, e não permitirei que vocês se metam em meus negócios.
E então o menino continuou falando, algumas vezes de maneira imprópria, e sua língua sentia-se muito feliz, aprendendo novas palavras a cada dia.
Porém um dia o menino comportou-se mal e permitiu à sua língua contar uma grande mentira. Os dentes obedeceram ao coração, fecharam-se e morderam a língua.
A partir desse dia a língua tornou-se tímida e prudente, e passou a pensar duas vezes antes de falar.

Leonardo da Vinci


A Leoa, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Leoa - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Os caçadores, armados com espadas e afiadas lanças, aproximaram-se em silêncio. A leoa, amamentando os filhotes, farejou-os e percebeu o perigo.
Porém era tarde. Os caçadores estavam ali, prontos para atacar.
À vista das armas, a leoa, aterrorizada, quase fugiu correndo. Mas se fizesse isso deixaria seus filhotes à mercê dos caçadores. Resolveu defender seus filhos. Baixou os olhos, a fim de não ver as ameaçadoras espadas de ferro que enchiam de medo seu coração, e, tomando um impulso desesperado, saltou para o meio dos caçadores.
Sua grande coragem salvou-a.


Leonardo da Vinci

A Lagarta, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Lagarta - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Imóvel sobre uma folha, a lagarta olhou em torno e viu todos os insetos em contínua movimentação. Alguns cantando, outros saltando, outros ainda correndo e voando. Pobre criatura, era a única que não tinha voz e que não sabia nem correr nem voar.
Com grande esforçou começou a mover-se, mas tão lentamente que quando passou de um folha para outra sentiu-se como se tivesse dado a volta ao mundo.
No entanto não tinha inveja de ninguém. Sabia que era uma lagarta e que as lagartas precisam aprender a tecer finos fios, com grande habilidade, até construírem uma casinha para si mesmas.
E então pôs-se a trabalhar.
Dentro em breve a lagarta estava envolvida num macio casulo de seda, separada de todo o resto do mundo.
- E agora? - pensou ela.
- Agora espere - respondeu uma voz - tenha um pouco de paciência e você verá.
Quando chegou o momento a lagarta acordou, e não era mais uma lagarta. Saiu do casulo com duas lindas asas brilhantes e coloridas, e imediatamente voou bem alto no céu.


Leonardo da Vinci

A Formiga e o Grão de Trigo, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Formiga e o Grão de Trigo - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Um grão de trigo, deixado sozinho no campo após a colheita, esperava pela chuva a fim de esconder-se novamente sob a terra.
Uma formiga viu o grão, colocou-o nas costas e partiu penosamente em direcção ao distante formigueiro.
À medida que andava, o grão de trigo parecia pesar cada vez mais sobres suas costas cansadas.
- Por que você não me deixa aqui? - perguntou-lhe o grão de trigo.
A formiga respondeu:
- Se eu deixar você para trás, podemos não ter provisões para o inverno. Em nosso formigueiro há muitas formigas e cada um de nós deve levar para o celeiro todo o alimento que encontrar.
- Mas eu não fui feito só para ser comido - objetou o grão de trigo - sou uma semente, cheia de vida, e meu destino é dar origem a uma planta. Ouça, cara formiga, vamos fazer um pacto.
A formiga, contente por poder descansar um pouco, colocou o grão de trigo no chão e perguntou:
- Que pacto?
- Se você me deixar aqui no campo - respondeu o grão de trigo - em vez de me levar para o formigueiro, eu darei a você, daqui a um ano, cem grãos de trigo exatamente iguais a mim.
A formiga olhou para o grão de trigo com ar incrédulo.
- Sim, cara formiga. Creia no que estou lhe dizendo. Se você desistir de mim agora eu lhe darei cem de mim, cem grãos de trigo para o seu celeiro.
A formiga pensou:
- Cem grãos em troca de um só... Mas isso é um milagre!
- E como é que você vai fazer isso? - perguntou ela.
- Isso é um mistério - respondeu o grão de trigo - é o mistério da vida. Cave um buraquinho, enterre-me dentro dele e volte dentro de um ano.
No ano seguinte a formiga voltou. O grão de trigo transformara-se numa nova planta carregada de sementes, cumprindo, portanto, sua promessa.


Leonardo da Vinci

A Figueira, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Figueira - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Era uma vez uma figueira que não dava frutos. Todos passavam por ela sem olhá-la.
Durante a primavera as folhas cresciam, mas quando chegava o verão, e as outras árvores estavam carregadas de frutos, nada aparecia em seus galhos.
- Eu gostaria tanto que me apreciassem! - suspirou a figueira - queria só produzir frutos como as outras árvores!
Tentou e tornou a tentar até que, em certo verão, viu-se carregada de figos. O Sol fez os figos crescerem e incharem, tornando-os doces e perfumados.
Todos repararam nisso. Jamais alguém tinha visto uma figueira tão carregada de frutos. E imediatamente houve uma correria para ver quem colhia mais figos. Subiram pelo tronco. Curvaram os galhos mais altos com varas compridas e o peso das pessoas fez com que alguns ramos ficassem partidos. Todos tentavam roubar os deliciosos figos, e em breve a pobre figueira viu-se toda torta e quebrada.

Moral da Estória:
Portanto, àqueles que querem chamar a atenção pode acontecer, para sua desgraça, receberem mais do que desejam.


Leonardo da Vinci 

A Cotovia, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Cotovia - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Era uma vez um velho eremita que morava numa floresta com apenas um companheiro, um pássaro chamado cotovia.
Um dia dois mensageiros foram procurar o velho eremita para pedir-lhe que os acompanhasse ao palácio de seu amo, que estava gravemente enfermo.
O velho, seguido pela cotovia, partiu com os mensageiros e fizeram-no entrar imediatamente no quarto do homem doente. Quatro médicos balançavam a cabeça, fazendo comentários em voz baixa entre si.
-Não ha mais nada a fazer, murmurou o que parecia ser o mais importante-Infelizmente ele está morrendo.
O velho eremita em pé junto à porta, observava a cotovia, que pousara no peitoril da janela e olhava fixamente para o doente.
-Ele vai viver, disse o eremita.
- Mas como pode este camponês fazer uma afirmação dessas? exclamaram os médicos em coro.
O doente abriu os olhos, viu a cotovia olhando-o fixamente e esboçou um sorriso. Pouco a pouco a cor foi voltando ao seu rosto, suas forças retornaram e, para assombro de todos os presentes disse: - estou me sentindo um pouco melhor.
Tempos depois, o nobre do palácio, totalmente recuperado, foi à floresta para agradecer ao eremita.
-Não agradeça a mim, disse o eremita. -Foi o pássaro quem o curou. A cotovia, acrescentou ele, é um pássaro muito sensível. Ao ser colocada junto a uma pessoa doente, se ela virar a cabeça e não olhar para o doente, isso significa que não há esperança. Mas se olhar para o doente, como olhou para o senhor, quer dizer que o paciente não vai morrer. Na realidade a cotovia, através do olhar ajuda a recuperação.
Assim como a sensível cotovia, o amor da virtude não olha para coisas vís, sombrias, mas procura tudo o que é nobre e honrado. O pássaro habita o bosque florido, e a virtude habita o coração nobre.


Leonardo da Vinci

A Clematite, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Clematite - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Plantada à sombra de uma sebe, a clematite prendia seus verdes braços em torno do tronco e dos galhos de uma árvore.
Ao chegar ao topo, olhou em volta e viu outra sebe cercando o lado oposto do caminho.
- Oh, como eu gostaria de ir até lá! pensou a clematite - aquela sebe é maior e mais bonita do que esta aqui.
E pouco a pouco, estendendo os braços, aproximou-se cada vez mais da sebe oposta. Finalmente alcançou-a, atingiu um dos galhos e pôs-se alegremente a prender-se em torno dele.
Porém pouco depois alguns viajantes que vinham passando pelo caminho viram-se diante daquele galho de clematite impedindo a passagem. Pegaram o galho, arrancaram-no da cerca e atiraram-no dentro da vala. A avidez da clematite impediu que ela percebesse o perigo.


Leonardo da Vinci

A Castanheira, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Castanheira - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Em um jardim cercado por um alto muro, diversas árvores frutíferas moravam juntas. Durante a primavera todas ficavam cobertas de flores e no verão ficavam carregadas de frutos. Havia também uma castanheira.
- Porque hei-de ficar escondida neste jardim? - pensou, certo dia, a castanheira - Vou espichar meus galhos até à estrada para que todos possam ver como meus frutos são bons.
E assim, pouco a pouco, foi espichando seus mais lindos galhos por cima do muro para que todos pudessem vê-los.
Porém quando os ramos ficaram cobertos de castanhas, os passantes começaram a apanhá-las, e quanto não conseguiam alcançar os galhos, puxavam-nos para baixo com varetas, e, se não tivessem varetas, atiravam pedras.
Em pouco tempo a castanheira, maltratada e apedrejada, perdeu tanto os frutos quanto a folhagem, e seus pobres galhos quebrados ficaram pendurados para fora do muro.


Leonardo da Vinci

A Castanheira, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Castanheira - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Um dia uma velha castanheira viu um homem subindo numa figueira.
O homem puxava os galhos em sua direcção e arrancava os figos maduros, comendo-os um por um, mordendo-os com seus fortes dentes.
Os galhos da castanheira murmuraram:
- Oh, figueira, você deve muito menos à Mãe Natureza do que eu! Está vendo o que ela fez por mim? Como preparou e protegeu bem meus filhos queridos! Vestiu-os primeiro com um vestido bem fino sobre o qual colocou um capa de pele dura, mas forro macio. E não satisfeita por ter me feito esta gentileza, construiu para cada um deles uma casinha bem resistente, e mobiliou-a com espinhos grossos e duros para protegê-los contra as mãos dos homens.
Quando a figueira e os figos ouviram isso, puseram-se a rir, e depois de rir um bom momento, a figueira respondeu:
- Mas será que você realmente conhece os homens? Nada disso adianta, pois eles farão tudo para tirar de você todos os seus frutos. Armados de varas, de paus e de pedras, baterão nos seus galhos para que todos os frutos caiam no chão. E uma vez caídos, vão pisar em cima deles ou esmagá-los com pedras para fazê-los sair de dentro de suas casinhas, tão bem protegidas pelos espinhos. E seus filhos ficarão amassados, quebrados e mutilados.
Porém o meu fruto é colhido com delicadeza e só sou tocada por mãos.

Leonardo da Vinci

A Borboleta e a Chama, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Borboleta e a Chama - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Uma borboleta multicor estava voando na escuridão da noite quando viu, ao longe, uma luz.
Imediatamente voou naquela direcção e ao se aproximar da chama pôs-se a rodeá-la, olhando-a maravilhada. Como era bonita!
Não satisfeita em admirá-la, a borboleta resolveu fazer o mesmo que fazia com as flores perfumadas. Afastou-se e em seguida voou em direcção à chama e passou rente a ela.
Viu-se subitamente caída, estonteada pela luz e muito surpresa por verificar que as pontas de suas asas estavam chamuscadas.
- Que aconteceu comigo? - pensou ela.
Mas não conseguiu entender. Era impossível crer que uma coisa tão bonita quanto a chama pudesse causar-lhe algum mal. E assim, depois de juntar um pouco de forças, sacudiu as asas e levantou vôo novamente.
Rodou em círculo e mais uma vez dirigiu-se para a chama, pretendendo pousar sobre ela. E imediatamente caiu, queimada, no óleo que alimentava a brilhante e pequenina chama.
- Maldita luz - murmurou a borboleta agonizante - pensei que ia encontrar em você a felicidade e em vez disso encontrei a morte. Arrependo-me desse tolo desejo, pois compreendi, tarde demais, para minha infelicidade, o quanto você é perigosa.
- Pobre borboleta - respondeu a chama - eu não sou o Sol, como você tolamente pensou. Sou apenas uma luz. E aqueles que não conseguem aproximar-se de mim com cautela são queimados.

Moral da Estória:
Esta fábula é dedicada àqueles que, como a borboleta, são atraídos pelos prazeres mundanos, ignorando a verdade. Então, quando percebem o que perderam, já é tarde demais.

Leonardo da Vinci