terça-feira

Parábola do bom médico, Fábula Budista


Parábola do bom médico
Capítulo Juryo do Sutra de Lótus

Em determinada época vivia um médico, excelente no preparo de receitas de remédios. Ele tinha cerca de 100 filhos. Enquanto esteve fora de casa, numa viagem a um distante país, todos os seus filhos beberam veneno por engano, debatendo-se de dor e caindo ao chão à medida que o veneno penetrava em seus corpos.
Ao retornar para casa, o médico encontrou seus amados filhos em agonia por toda a casa e ficou muito chocado e triste. Alguns dos que tomaram o veneno perderam completamente a razão, enquanto outros, ainda, estavam conscientes.
  
Todas aquelas crianças, ao verem seu pai, ficaram contentes e correram ao seu encontro, lhe implorando: "Pai! Estamos muito felizes de encontrá-lo em boa saúde. Nós tomamos veneno por engano, por causa de nossa ignorância. Por favor, nos salve e nos dê forças."
Imediatamente, o médico juntou muitas ervas medicinais de bom sabor, bom cheiro e linda cor receitando-as de várias maneiras como um maravilhoso remédio a suas crianças enfermas. Aqueles que ainda não haviam perdido a razão tomaram imediatamente o remédio e escaparam das dores agudas e sofrimentos. Os que não mais faziam uso da razão não tomaram o remédio apesar das recomendações do bom médico.
O pai ficou muito triste e decidiu usar um último recurso para convencer seus filhos a se curarem. Ele disse: "Eu vou morrer de velhice. Antes de começar a minha jornada, deixarei este remédio bom com vocês. Se vocês tiverem problemas, tomem-no." E saiu de casa dirigindo-se a outro país. Lá chegando, enviou um mensageiro à sua casa, que disse a seus filhos: "Infelizmente seu pai faleceu."
"Agora ninguém cuidará de nós com misericórdia e bondade", exclamaram os filhos diante da notícia, finalmente decidindo tomar o remédio. Logo se recuperaram completamente e o pai ciente de que isso aconteceria retornou para casa encontrando seus filhos felizes.

Nesta famosa parábola, o remédio maravilhoso com bom sabor, linda cor e bom cheiro simboliza a oração Nam myoho rengue Kyo ensinada pelo bom médico, que é o Buda, e o veneno indica as religiões desencaminhadoras (que deixam as pessoas iludidas e desorientadas).


(extraída da Revista TC de abril/76)

A borboleta e a minhoca, Fábula de May Christina de Paiva


A borboleta e a minhoca

Era uma vez... todos os dias, em qualquer lugar, uma borboleta muito colorida e uma minhoca da terra que viviam a reclamar. Viviam pelos cantos da mata a choramingar e, de patas e asas cruzadas, observavam a vida passar.
A verdade é que viviam descontentes com o que eram e sonhando com o que queriam ser.
- Se eu fosse borboleta, voaria sempre e sempre, de flor em flor, para tudo ver e tudo tocar. Seria mais que bonita, seria esvoaçante! Mais que colorida, seria dançante!... dizia a minhoca da terra.
- Se eu fosse uma minhoca, rastejaria pelos caminhos e sempre a terra quentinha sob minha barriga sentiria. Seria mais que paciente e tão lenta ao me mover, que mesmo os que me notassem não poderiam vê-lo fazer!... repetia a borboleta.
Diante de tanta tristeza, se apiedou uma Fada que, com encanto e pureza se propôs a ajudá-las.
Era noite... e tanto uma quanto outra já havia muito dormiam. Uma a uma delas a Fada se aproximou e num gesto rápido tocou e falou:
- Quando o dia trouxer a luz do sol, minhoca, serás a borboleta com que sempre sonhaste, e tu, borboleta, a minhoca que sempre tanto te encantou.
O dia raiou... mais limpo do que nunca, mas a descoberta da troca, a princípio tão bem recebida, se tornou uma grande inércia e numa ideia temida. Agora nem borboleta nem tampouco a minhoca saíam do lugar e ambas pareciam mais tristes que antes. Sem entenderem o porquê daquilo, foram a elas perguntar o que havia acontecido com seus sonhos de mudar.
A minhoca disse que dali não saía, porque não sabia como movimentar as asas para voar, e não sabia que flor escolher para se alimentar. Simplesmente porque ela nunca tinha sido uma borboleta antes.
Da mesma forma a borboleta sempre acostumada a ver tudo de cima, agora tão rente ao chão, não conseguia ver que caminho escolher, nem tampouco o que comer ou fazer. Por isso se encontravam tão descontentes com a troca durante tanto tempo desejada. Não sabiam como agir!
A Fada, vendo aquilo, resolveu voltar ao que eram antes as fez retornar. Mas a experiência não havia sido em vão, tinham algo para dizer então:
- Parece que estamos sempre contando vantagens sobre como agiríamos se estivéssemos no lugar de outros, mas, na realidade, quando isso é possível, nós mesmos não sabemos que atitude tomar - disse a minhoca.
- É muito mais fácil dizer o que você faria "SE" isso ou aquilo acontecesse do que REALMENTE fazer, completou a borboleta.
E desse dia em diante... elas voaram e rastejaram felizes como nunca, enquanto mais e mais minhocas e borboletas nascem com a mesma ideia de mudar e descobrem a mesma importância em tentar.


May Christina de Paiva

A borboleta e o cavalinho, Fábulas do Mundo


A borboleta e o cavalinho

(Qualquer semelhança com seres humanos que você conheça, pode não ser coincidência).

Esta é a história de duas criaturas de Deus que viviam numa floresta distante há muitos anos atrás.
Eram elas, um cavalinho e uma borboleta.
Na verdade, não tinham praticamente nada em comum, mas em certo momento de suas vidas se aproximaram e criaram um elo.
A borboleta era livre, voava por todos os cantos da floresta enfeitando a paisagem.
Já o cavalinho, tinha grandes limitações, não era bicho solto que pudesse viver entregue à natureza. Nele, certa vez, foi colocado um cabresto por alguém que visitou a floresta e a partir daí sua liberdade foi cerceada.
A borboleta, no entanto, embora tivesse a amizade de muitos outros animais e a liberdade de voar por toda a floresta, gostava de fazer companhia ao cavalinho, agradava-lhe ficar ao seu lado e não era por pena, era por companheirismo, afeição, dedicação e carinho.
Assim, todos os dias, ia visitá-lo e lá chegando levava sempre um coice, depois então um sorriso.
Entre um e outro ela optava por esquecer o coice e guardar dentro do seu coração o sorriso.
Sempre o cavalinho insistia com a borboleta que lhe ajudasse a carregar o seu cabresto por causa do seu enorme peso.
Ela, muito carinhosamente, tentava de todas as formas ajudá-lo, mas isso nem sempre era possível por ser ela uma criaturinha tão frágil.
Os anos se passaram e numa manhã de verão a borboleta não apareceu para visitar o seu companheiro. Ele nem percebeu, preocupado que ainda estava em se livrar do cabresto.
E vieram outras manhãs e mais outras e milhares de outras, até que chegou o inverno e o cavalinho sentiu-se só e finalmente percebeu a ausência da borboleta.
Resolveu então sair do seu canto e procurar por ela.
Caminhou por toda a floresta a observar cada cantinho onde ela poderia ter se escondido e não a encontrou.
Cansado se deitou em baixo de uma árvore. Logo em seguida um elefante se aproximou e lhe perguntou quem era ele e o que fazia por ali.
- Eu sou o cavalinho do cabresto e estou a procura de uma borboleta que sumiu.
- Ah, é você então o famoso cavalinho?
- Famoso, eu?
- É que eu tive uma grande amiga que me disse que também era sua amiga e falava muito bem de você. Mas afinal, qual borboleta que você está procurando?
- É uma borboleta colorida, alegre, que sobrevoa a floresta todos os dias visitando todos os animais amigos.
- Nossa, mas era justamente dela que eu estava falando. Não ficou sabendo? Ela morreu e já faz muito tempo.
- Morreu? Como foi isso?
- Dizem que ela conhecia, aqui na floresta, um cavalinho, assim como você e todos os dias quando ela ia visitá-lo, ele dava-lhe um coice. Ela sempre voltava com marcas horríveis e todos perguntavam a ela quem havia feito aquilo, mas ela jamais contou a ninguém. Insistíamos muito para saber quem era o autor daquela malvadeza e ela respondia que só ia falar das visitas boas que tinha feito naquela manhã e era aí que ela falava com a maior alegria de você.
Nesse momento o cavalinho já estava derramando muitas lágrimas de tristeza e de arrependimento.
- Não chore, meu amigo, sei o quanto você deve estar sofrendo. Ela sempre me disse que você era um grande amigo, mas entenda, foram tantos os coices que ela recebeu desse outro cavalinho, que ela acabou perdendo as asinhas, depois ficou muito doente, triste e sucumbiu e morreu.
- E ela não mandou me chamar nos seus últimos dias?
- Não, todos os animais da floresta quiseram lhe avisar, mas ela disse o seguinte:
"Não perturbem meu amigo com coisas pequenas, ele tem um grande problema que eu nunca pude ajudá-lo a resolver. Carrega no seu dorso um cabresto, então será cansativo demais pra ele vir até aqui."

Moral da Estória:

Você pode até aceitar os coices que lhe derem quando eles vierem acompanhados de beijos, mas em algum momento da sua vida, as feridas que eles vão lhe causar, não serão mais possíveis de serem cicatrizadas. Quanto ao cabresto que você tiver que carregar durante a sua existência, não culpe ninguém por isso, afinal muitas vezes, foi você mesmo que o colocou no seu dorso.

Acrescentar pernas à serpente, Fábula chinesa


Acrescentar pernas à serpente

O dragão aparece muito nas lendas chinesas. Os imperadores consideravam-se e eram considerados pelos seus súbditos “dragões enviados à Terra pelo Deus do Céu”, ou “filhos do dragão”.

No reino Chu, que existiu na antiguidade chinesa, houve certo dia, uns criados a quem o patrão deu, como presente, uma garrafa de aguardente que havia sobrado dos rituais em memória dos antepassados. Houve, então, quem dissesse:
- Uma garrafa de aguardente para tanta gente? Não dá para matar a sede de ninguém! É melhor que fique só para um de nós.
Todos concordaram com a ideia. Mas quem abriria mão da sua oportunidade de ficar com a garrafa? O que fazer?
Um dos criados propôs então:
- Cada um de nós vai desenhar uma serpente no chão, e quem acabar primeiro ficará com a garrafa.
- Boa ideia! Disseram os outros.
Pegando nos “pauzinhos” que habitualmente usavam para comer, todos começaram apressadamente a desenhar as suas serpentes.
Passados alguns minutos, um deles acabou o desenho, e logo agarrou a garrafa. Porém, antes de a levar à boca, pôs-se a olhar para os amigos, que ainda não tinham conseguido fazer a cabeça da serpente, ou estavam ainda a começar o seu desenho. Pensou então:
- Ainda tenho tempo de pôr algumas pernas à minha serpente.
Enquanto retocava a sua obra, um dos outros acabou o desenho, e arrebatou-lhe a garrafa das mãos, dizendo:
- As serpentes não têm pernas! Com pernas, não seria uma serpente.

Dito isto, bebeu a aguardente de um só trago, deixando boquiaberto aquele que decidira acrescentar as pernas à sua serpente.

A cabra e o burro, Fábulas do Mundo


A cabra e o burro

O dono da cabra e do burro alimentava os dois animais.
A cabra, achando que o burro era mais bem alimentado do que ela, ficou com inveja. Aconselhou, então, o burro a diminuir o ritmo de trabalho tanto na hora de moer quanto na hora de carregar os fardos. Disse ainda que ele deveria simular ataques de epilepsia e cair em buracos para descansar.
O pobre burro, confiando na cabra, caiu num buraco e começou a debater-se. O dono chamou um médico para socorrer o animal. O médico, para resolver o problema do burro, receitou uma infusão que deveria ser preparada com o pulmão de uma cabra. Foi assim que sacrificaram a cabra para salvar o burro.

Moral da Estória:

Muitas vezes, quem arquitecta maldades faz mal a si mesmo.

A casa de Mazalu, de Malba Tahan


A casa de Mazalu

Era uma vez um sapo que se chamava Mazalu. O sapo Mazalu vivia muito quieto debaixo de uma pedra, junto ao rio. Certa manhã, o sapo Mazalu saiu a passeio e encontrou o seu amigo tatu. O tatu chamava-se Pavio.
- Como vai, amigo Mazalu? Como tem passado?
O sapo respondeu:
- Vou bem, obrigado, amigo Pavio.
Disse, então, o tatu:
- Qualquer dia apareço lá por sua casa. Vou fazer-lhe uma visita.
O sapo tremeu. E sabe por quê? Ele não tinha CASA. Morava embaixo de uma pedra, num lugar frio e cheio de lama. Como receber a visita de um amigo elegante como o Pavio?
Nesse mesmo dia, o sapo tratou de arranjar uma casa onde pudesse receber a visita do tatu.
- MACACO, você pode fazer uma casa para mim?
- Ora, se posso! - respondeu o macaco.
E sabe o que fez o macaco? Arranjou um caixote sem tampa e desse caixote fez uma casa para o sapo.
- Agora, sim - disse o sapo - posso receber a visita do meu amigo tatu.
Mas o tatu, no dia da visita, ficou muito triste. Não podia entrar na casa do sapo. O caixote era pequeno; ele não cabia lá dentro.
- Amigo sapo - disse o tatu - a sua casa é, para mim, pequena e desagradável. Pensei que você morasse debaixo de uma pedra, junto ao rio. Era lá que eu queria jantar com você.

Moral da Estória:
Aquele que é feliz numa casa modesta, não precisa aparentar riqueza para impressionar AMIGO.


Malba Tahan

Yugong remove montanhas, Fábula chinesa


Yugong remove montanhas

A fábula “Yu Gong remove montanhas” é muito famosa na China. Trata-se duma lenda do livro Liezi, uma coletânea de contos e lendas populares produzidas por volta no século IV a.C.
Dizem que, em tempos remotos, havia um ancião chamado próximo de comemorar 90 anos chamado Yu Gong. “Yu Gong” significa, em chinês, “velho tolo”. Frente à sua casa, havia duas grandes montanhas, Taihang e Wangwu, que dificultava as comunicações.
Um dia, Yu Gong convocou uma reunião da família, dizendo: “Estas duas grandes montanhas impedem nossa pasagem e nos obrigam a dar grandes voltas. O que acham de removê-las?”
Os filhos e netos de Yu Gong disseram: “Está bom. Mãos à obra amanhã!” Mas, a mulher de Yu Gong era contrário, pois julgava uma tarefa cheia de grandes dificuldades: “Já vivemos aqui há muitos anos, porque não vamos continuar a vida como ela é agora? As montanhas são grandes e se podemos removê-las, onde vamos colocar tantas pedras e tantas terras?”
As palavras da esposa de Yu Gong provocaram uma discussão, pois tinham razão. Finalmente, todos concordaram em transportar as terras e pedras das montanhas para o mar.
No dia seguinte, Yu Gong e sua família começaram a derrubar as montanhas a golpes de picareta.

Vendo-os nesse trabalho, um outro ancião, chamado Zhi Sou, “velho inteligente” em chinês, desatou a rir e disse-lhes: “Que tolice! Vocês, sozinhos, nunca conseguirão arrasar essas duas montanhas!” Ao que Yu Gong respondeu: “Quando eu morrer, ficarão os meus filhos; quando por sua vez eles morrerem, ficarão os meus netos, e assim se sucederão, infinitamente, as gerações. Quanto a estas duas montanhas, são muito altas, mas já não podem crescrer e, a cada golpe de picareta, tornam-se cada vez menores. Por que razão, então, não acabaremos de arrasá-las?” Refutados os pontos de vista errados de Zhi Sou, Yo Gong continuou, inabalável, a escavar dia após dia, o que comoveu o Imperador Celestial que enviou então dois imortais à Terra para que removessem as duas montanhas.

A rã no fundo do poço, Fábulas do Mundo


A rã no fundo do poço

Segundo um mito chinês, uma rã, que morava num poço abandonado, só podia movimentar-se no limitadíssimo espaço que era o fundo do poço, e consequentemente, o que via não passava de um pequeno pedaço do céu. Nada conhecia lá fora, e nada sabia sobre a existência de um imenso mundo.
Certa vez, uma tartaruga do mar apareceu à beira do poço, e a rã, lá do fundo, apressou-se a vangloriar-se:
- Vê, amiga tartaruga, que linda e confortável residência é a minha! Aqui, eu salto livremente e descanso num buraco da parede do poço quando me apetece. Se quero nadar, a água cobre-me as pernas e chega-me ao queixo. Passeios? Passear aqui nesta terra pantanosa é uma verdadeira delícia! Garanto que tu, minha amiga tartaruga, nunca tiveste uma vida tão feliz como esta! Vem, vem ver o meu paraíso!
Levada pela curiosidade, a tartaruga do mar deu um passo em frente e, mal viu o “paraíso” da rã, recuou, dizendo:

- Sabes uma coisa, minha amiga rã? O mar é tão imenso que tem milhares e milhares de quilómetros de extensão, e milhares e milhares de braças de profundidade... Dez anos de inundações consecutivas não conseguiriam aumentar nem um centímetro o nível das suas águas, e dez anos consecutivos de seca não lograriam baixá-lo. Ali sim, é vida!

O Brâmane que ficou branco em sua cama, Fábulas do Mundo


O Brâmane que ficou branco em sua cama

Em certa cidade morava um brâmane chamado Svabacripana, dono de um grande pote. Recebendo generosas esmolas, pôde encher aquela vasilha com farinha. Pendurou-a, então, acima de sua cama, e gostava de ficar deitado, contemplando sua fortuna e sonhando com uma porção de coisas. Uma noite, já deitado, o brâmane começou a pensar:
- Já tenho o pote cheio de farinha. Se viesse uma carestia, eu conseguiria por ele cem moedas de prata, com as quais poderia comprar um par de boas cabras. Como as cabras têm filhotes de seis em seis meses, quase sempre, em pouco tempo estaria formado um grande rebanho. Vendendo as cabras, poderia comprar muitas vacas; com as vacas, compraria búfalas; com as búfalas, compraria éguas. As éguas teriam muitos cavalos, que eu venderia, tendo um bom lucro em ouro. Com o ouro, construiria uma casa de quatro salas . Então, sem dúvida alguma, algum brâmane virá oferecer-me a filha em casamento, e eu aceitarei, se for bonita e rica, está claro. Do casamento terei um filho, ao qual darei o nome de Somazarman. Quando ele estiver em condições de saltar sobre meus joelhos, virá ter comigo, aproximando-se dos cascos dos cavalos. Então, zangado, direi à minha esposa:
- Segura esse menino.
Ela, que estará ocupada nos afazeres da casa, não me ouvirá. Então, eu me levantarei e lhe darei um pontapé!
Tão mergulhado estava o brâmane em seus pensamentos, que, desses, sem o perceber, passou à acção, de forma que, ao erguer a perna para o imaginário pontapé, partiu o pote, recebendo em plena face toda a farinha.


Quem concebe um projecto irrealizável e impossível, pode ficar em branco em sua cama, como aconteceu ao pai imaginoso do inexistente Somazarman.

Que bom ter família!, Fábulas africanas


Que bom ter família!

Era uma terra onde uma grave epidemia atingia homens e animais. Só sobreviveu o homem mais forte. Mas, um dia, apareceu-lhe uma ferida num joelho e, não podendo bastar-se a si próprio, pediu a Deus que o ajudasse. Todos os dias se arrastava até à beira do caminho por onde passavam as pessoas de regresso do mercado e rogava-lhes: — Dêem-me alguma coisa para comer e cortem-me este joelho que tanto me faz sofrer.
Os viandantes davam-lhe de comer, mas não ousavam cortar-lhe o joelho. Não aguentando mais, um dia o pobre doente pegou numa faca e abriu o joelho. Qual não foi o seu espanto ao ver que, do corte que tinha feito, saíram três lindas meninas. Agradeceu a Deus por ter escutado a sua súplica e regressou à aldeia onde construiu uma pequena cabana para morar com as suas filhas.
Passados alguns anos, as meninas atingiram a maioridade. O pai já as podia deixar sozinhas para ir à caça. Durante a ausência do homem, uns pastores que andavam nos arredores viram as moças e apaixonaram-se logo por elas. Quiseram levá-las para casa, onde se casariam.
Mas as jovens, que gostavam muito do pai, não queriam dar-lhe um desgosto e, por isso, não podiam deixá-lo sem o avisar. Despediram-se dos pastores, convidando-os a voltar no dia seguinte.
Quando o pai regressou, elas, entusiasmadas, contaram-lhe tudo. O velho ficou triste, mas as filhas consolaram-no dizendo:
— Mesmo que vamos morar para longe, tu não vais perder-nos, pois podes visitar-nos quando desejares.
E, com carinho, ensinaram ao pai o caminho para a aldeia dos seus pretendentes.
No dia seguinte, o pai saiu outra vez para caçar, os jovens voltaram como tinham combinado com as moças. Estas, depois de tratar da casa e de preparar a comida para o pai, partiram com os rapazes.
O homem viveu dois meses completamente só, mas depressa sentiu saudades das filhas e pensou em ir visitá-las. Meteu-se a caminho, seguindo o carreiro que elas lhe haviam ensinado. Quando as filhas o viram chegar, correram felizes ao seu encontro, fizeram-lhe muitas festas e prepararam-lhe, com a ajuda dos maridos, uma óptima refeição. O homem pensou:

Tudo o que Deus faz
é uma maravilha
mas o melhor de tudo
é a família.


Fábulas africanas

Lisboa, Editorial Além-mar, 1991

Faz aos outros o que…, Fábulas africanas


Faz aos outros o que…

Um dia a Vida decidiu dar uma volta pelo mundo. Já tinha viajado muito quando encontrou um homem doente que tinha o corpo tão inchado que mal se podia mexer.
— Quem és tu? — perguntou o homem ao vê-la.
— Sou a Vida.
— Então, já que és a Vida, será que me podias tirar este inchaço que nem me deixa mexer nem trabalhar?
— Sim, eu poderia devolver-te a saúde, mas tu depressa te esquecerás de mim e da doença de que padeces.
— Como iria eu esquecer-me? Um milagre assim recordá-lo-ei toda a minha vida.
— Está bem! Vou curar-te. No entanto voltarei daqui a sete anos para verificar se és um homem de palavra — disse a Vida.
Esta pegou num pouco de pó do caminho e espalhou-o na cabeça do hidrópico que, de imediato, ficou são e ágil.
A Vida prosseguiu a viagem e andou muitos dias até que chegou à cabana de um leproso.
— Quem é? — perguntou o leproso.
— Eu sou a Vida.
— A Vida? — replicou o doente. — Pois então podias curar a minha lepra.
— Claro que posso — disse a Vida. — Mas se o fizer, logo esqueces a tua doença e o teu benfeitor.
— Impossível! Toda a minha vida hei-de recordar-me desse milagre — assegurou o leproso.
— Bem, voltarei dentro de sete anos e então veremos se sabes manter as promessas — replicou a Vida.
Pegou então numa mão-cheia de terra da estrada, espalhou-a na cabeça do leproso, e a lepra, como por encanto, desapareceu, deixando ficar o homem com a pele limpa e jovem.
A Vida despediu-se e pôs-se de novo a caminho. Andou mais alguns dias e, por fim, encontrou um cego. Este, ouvindo que passava alguém estranho junto à sua cabana, perguntou:
— Quem és tu?
— Sou a Vida.
— És realmente a Vida? — continuou o cego. — Então suplico-te que me devolvas a vista.
— Sim; vou devolver-te a vista, mas não podes esquecer-te nem de mim nem da tua cegueira — disse a Vida.
— De modo algum! Serei tão feliz que me lembrarei toda a vida e vou-te agradecer até à morte — prometeu o cego.
— Muito bem. Agora vou devolver-te a vista. Voltarei daqui a sete anos e veremos então se a tua palavra tem algum valor e se é de fiar — disse a Vida.
A Vida baixou-se, recolheu um pouco de poeira do chão e espalhou-a solenemente na cabeça do cego, que, de imediato, recuperou a visão e começou a gritar de alegria.
Sete anos passaram. Muitas coisas mudaram. O hidrópico, o leproso e o cego começaram a trabalhar esforçadamente para a sua família. O mundo estava muito diferente. Nessa altura, a Vida empreendeu de novo a sua caminhada pela Terra para poder visitar aqueles a quem tinha socorrido e curado.
Primeiro fingiu-se cega e começou por visitar a casa do homem a quem tinha devolvido a visão. Bateu à porta:
— Quem é? — perguntou aquele que tinha sido cego.
— Sou um homem cego, posso passar a noite em tua casa?
— Lamento — gritou o homem — Aqui não há espaço. Os cegos são teimosos e eu não quero gente dessa em minha casa. Segue o teu caminho.
— Eu é que lamento — disse a Vida. — Mas já previa isto há sete anos. Tu eras cego e eu devolvi-te a vista. Nessa altura tu prometeste-me que não te esquecerias nem de mim nem da tua doença; pelo contrário…
— É que eu…
Era tarde de mais, pois a Vida tinha pegado num pouco de pó do chão e espalhou-o na cabeça do ingrato. Este, no mesmo instante, voltou a ficar cego.
A Vida retomou a sua caminhada e foi visitar o antigo leproso. Vestiu-se como um leproso e bateu à porta da cabana.
— Quem é? — perguntou o homem.
— Sou um pobre leproso. Posso passar a noite em tua casa?
— Um leproso? Podes é ir-te embora; não quero que me pegues a tua doença.
— Já to tinha dito — replicou a Vida. — Há sete anos curei-te e tu prometeste-me que nunca te esquecerias desse prodígio. A tua palavra não vale nada; podes voltar a ser como dantes.
A Vida pegou outra vez em poeira do caminho e lançou-a sobre o homem que, de repente, voltou a ser leproso.
De novo, a Vida prosseguiu viagem e vestiu-se de modo a que o seu corpo parecesse inchado. Logo se apresentou na cabana do hidrópico que tinha curado há sete anos.
— Posso passar uma noite em tua casa? — perguntou a Vida batendo à porta.
— Claro — disse este. — Entra, entra. Senta-te aqui, vou buscar alguma coisa para comeres e beberes. Eu sei como é penoso estar nesse estado. Eu também já tive essa doença. Mas há sete anos, passou por aqui a Vida e curou-me. Naquela altura disse-me que voltava e ainda não a vi. Se esperares aqui em minha casa, Ela não tardará a vir e poderá, de certeza, também curar a tua doença.
— Eu sou a Vida — disse o caminhante. — E tu és o único de todos os que eu curei que ainda se lembra de mim e da sua antiga doença. Por isso, ficarás são toda a tua vida. Olha, a vida pode mudar constantemente. A sorte pode tornar-se em desgraça, a riqueza em pobreza, o amor em ódio. Ai daquele que não se lembrar disto e não tirar daí a devida lição!
— Adeus — concluiu a Vida, e retomou pela última vez o seu caminho.
Esta fábula africana mostra-nos a importância de ajudar os outros. Tens muitas oportunidades na vida de estender a mão a quem necessita. Não deixes de o fazer.


Fábulas africanas

Lisboa, Editorial Além-mar, 1991

A hiena mazona, Fábulas africanas


A hiena mazona

Outrora, dois homens, Ali e Mustafá, atravessaram o deserto na companhia de um leão, uma serpente, uma hiena e um chacal.
A certa altura, os alimentos acabaram-se e os seis viandantes começaram a sentir fome. Por sorte, chegaram a um oásis onde encontraram um camelo.
Cansados da longa caminhada, decidiram amarrá-lo a uma palmeira, guardando para o dia seguinte a oportunidade de fazerem um saboroso petisco.
Mas a hiena, que é o animal mais sôfrego de quantos existem acima da Terra, ficou acordada magicando um estratagema para ficar com o camelo só para si.
Quando já todos estavam a dormir, aproximou-se do leão e disse-lhe ao ouvido:
— Toma cuidado, que o chacal tem a intenção de nos roubar o camelo…
— Ai sim?! — disse o leão. — Eu já lhe dou o arroz!
Aproximou-se do chacal que estava a dormir e, sem quaisquer explicações, deu-lhe uma valente paulada e matou-o instantaneamente. E deitou-se outra vez a dormir.
Um já está! — pensou a hiena.
Esta, assim que o leão adormeceu, foi ter com a serpente. Acordou-a e disse-lhe em voz baixa:
— Viste o que o leão fez? Matou o chacal e desconfio que vai fazer o mesmo a todos nós, para poder ficar com o camelo só para si!…
— Ai o vigarista! — comentou a serpente. — Ainda bem que me avisaste, porque eu vou cortar o mal pela raiz.
Chegou junto do leão e picou-o com os seus dentes venenosos, matando-o sem lhe dar tempo sequer de acordar.
— Já vão dois! — pensou a hiena esfregando as patas de contente e rindo da maneira que lhe é característica. Dali a pouco, estava junto de Ali, abanando-o.
— Acorda, Ali. Sabes o que eu acabo de presenciar? A serpente assassinou o leão e o chacal. Não tarda que faça o mesmo connosco, para ficar com o camelo sozinha…
— Traidora! Quem nos manda confiar nela?…
Ali acercou-se do réptil com uma grande pedra e, sem fazer ruído, esmagou-lhe a cabeça.
— Três! — rejubilou a hiena. Quando Ali voltou a pegar no sono, a matreira besuntou-lhe as mãos com sangue dos animais mortos e correu em seguida a acordar Mustafá
— Acorda, Mustafá! Olha que Ali já matou a serpente, o chacal e o leão. Receio que queira fazer-nos o mesmo a nós, para ficar sozinho com o camelo.
— Falas a sério? — admirou-se Mustafá.
— Olha para ele e verás.
Então Mustafá atirou-se furiosamente ao companheiro, gritando:
— Desgraçado! Estás a fingir que dormes? É verdade que mataste o leão, o chacal e a serpente? Desculpa-te, se puderes, caso contrário, pagarás com a vida o teu ardil!
Acordando estremunhado, Ali só dizia palavras sem sentido, como se na verdade tivesse sido apanhado em flagrante.
Mustafá erguia já o punhal e preparava-se para fazer justiça com as próprias mãos, quando se ouviu uma voz:
— Alto lá! Não é ele o assassino!
Era o camelo que, amarrado à sua palmeira, tinha presenciado tudo desde o princípio e explicou tintim por tintim como as coisas se tinham passado.
Mas antes que o camelo acabasse de falar, já a hiena tinha dito de si para si: “Pernas para que vos quero”.
Os dois homens agradeceram muito ao camelo: um por lhe ter salvo a vida, o outro por lhe ter evitado cometer um assassínio. E acabados os agradecimentos desamarraram a sua “refeição”.
— Estás livre. Podes ir à tua vida. Nós, porém, temos de ficar sem comer até ao próximo oásis.
— Não se preocupem — tranquilizou-os o camelo. — Eu ajudo-vos a encontrar comida.
Quando amanheceu, conduziu-os até ao castelo dos génios do oásis.
— Aqui encontrarão tudo quanto quiserem, comam e bebam, mas saiam antes do anoitecer, não vão os génios surpreender-vos quando chegarem.
Ali e Mustafá assim fizeram e, a meio da tarde, sairam do castelo, bem comidos e bebidos…
A hiena, que os tinha seguido de longe, mal os viu sair, resolveu entrar. Porém não foi capaz de refrear a gula e comeu, comeu… sem dar pelas horas.
À noite, os génios regressaram ao castelo e, vendo-a a empanturrar-se com aquilo que lhes pertencia, mataram-na, sem lhe desejarem sequer “bom apetite”.
Desde esse dia que se diz:

Muitas vezes procuramos
a verdade pelo lado de cá
e ela está do lado de lá.

Fábulas africanas

Lisboa, Editorial Além-mar, 1991

Engenho, Fábulas do Mundo


Engenho

Os quatro filhotes de uma perdiz acabaram de abrir os olhos para o mundo. A partir de sse momento, a mãe, orgulhosa e feliz, não viveu senão para os educar e cuidar deles. Um dia, enquanto procurava com que os alimentar viu que uma raposa esfomeada rondava os arredores.
«Que horror! - dizia a si mesma angustiada - não temos salvação».
Deixou que a raposa se aproximasse do ninho e cheirasse os seus filhos. No último momento, a perdiz irrompeu em gritos de dor e, com grande bater de asas, voou baixo e junto da raposa fingindo-se ferida.

A raposa, pensando que conseguiria apanhá-la facilmente, começou a persegui-la. Quando já estavam longe do ninho, levantou voo com muita força e deixou a raposa baralhada e humilhada.

As codornas, Fábula Budista


As codornas

Há tempos, um bando de mais de mil codornas
habitava uma floresta da Índia.
Viviam felizes, mas temiam enormemente seu inimigo,
o apanhador de codornas.

Ele imitava seu chamado e, quando se reuniam
para atendê-lo, jogava sobre elas uma enorme rede
e as levava numa cesta para vender.
Mas uma das codornas era muito sábia e disse:

"Irmãs! Elaborei um plano muito bom.
No futuro, assim que o caçador jogar a rede,
cada uma de nós enfiará a cabeça por dentro
de uma malha e todas alcançaremos vôo juntas,
levando-a conosco.
Depois de tomarmos uma boa distância,
deixaremos cair a rede num espinheiro e fugiremos".

Todas concordaram com o plano.
No dia seguinte, quando o caçador jogou a rede,
todas juntas a içaram conforme a sábia codorna
havia instruído, jogaram-na sobre um espinheiro
e fugiram. Enquanto o caçador tentava retirar
a rede de cima do espinheiro, escureceu
e ele teve de voltar para casa.

Isso aconteceu durante várias tentativas,
até que afinal a mulher do caçador
se aborreceu e indagou.

"Por que você nunca mais conseguiu
pegar nenhuma codorna ?"

O caçador respondeu: "O problema é que todas as aves
estão trabalhando juntas, ajudando-se entre si.
Se ao menos elas começassem a discutir,
eu teria tempo de pegá-las."

Dias depois, uma das codornas acidentalmente
esbarrou na cabeça de uma das irmãs quando
pousaram para ciscar o chão.

"Quem esbarrou na minha cabeça ?",
perguntou raivosamente a codorna ferida.
"Não se aborreça. Não tive a intenção
de esbarrar em você", disse a primeira.

Mas a irmã agredida continuou a discutir:
"Eu sustentei todo o peso da rede!
Você não ajudou nem um pouquinho!", gritou.

A primeira então se aborreceu
e em pouco tempo estavam todas envolvidas na disputa.
Foi quando o caçador percebeu a sua chance.
Imitou o chamado das codornas e jogou a rede
sobre as que se aproximaram.
Elas ainda estavam contando vantagem e discutindo,
e não se ajudaram a içar a rede.
Portanto, o caçador ergueu-a sozinho
e enfiou as codornas dentro da cesta.

Enquanto isto, a sábia codorna reuniu as amigas
e juntas voaram para bem longe,
pois ela sabia que discussões
dão origem a infortúnios.


Fábula Budista

O leão e os gnus, Fábulas do Mundo


O leão e os gnus

Uma grande fome ocorreu e diversos animais morreram, deixando o Leão faminto por não encontrar o que caçar. Depois de muito andar, chegou até um campo coberto por capim verde e viu um casal de Gnus. Tamanha fome, nem se preocupou em espreitar e atacou. O Gnu, ao ver o Leão, disse:
- Espere majestade. Sabia que somos os últimos gnus desta região. Quando me matar ou matá-la, não haverá nenhum outro e em poucos dias estará com fome novamente. Mas se nos deixar vivos, em poucos meses, teremos uma ninhada de gnus e poderemos encher a região de presas novamente.
O Leão ponderou e disse:
- Mas até lá, como irei sobreviver?
- Ora, faça como nós. Veja que grama verde, esmeralda, brilhante, fresca e agradável. Se você fizer um pequeno esforço, comendo-a, poderá suportar a espera.
O Leão concordou e começou a ruminar. Os gnus visitavam-no diariamente, sempre enaltecendo as qualidades do repasto. Na primeira semana o Leão sofria, torcendo o focinho quando se alimentava, sonhando com um bom pedaço de carne crua. Na segunda, já dava de ombros, resignado com o seu destino. Quando finalmente notou os jovens gnus correndo, rolou na grama e pensou:
- Eu, correr e caçar? Quando a grama se dobra a minha vontade, servida para meu jantar?

E assim, ficou o Leão, pastando feito um Gnu.

O medo vence outro medo, Fábulas africanas


O medo vence outro medo

Akari gostava muito de ir à caça. Mas tinha sempre pouca sorte. De vez em quando regressava de mãos vazias. Nessa altura era gozado por todos:
— Sabes porque é que não caças nada? Porque tens medo de entrar no mato!
Um dia, Akari, após ter andado imenso, sentiu fome. Viu uma aldeia e pensou:
«Vou pedir um pouco de sopa.» As pessoas da aldeia deram-lhe de comer e beber. Quando ficou saciado, pensou:
«E para que hei-de eu ir para outro sítio, se aqui me tratam tão bem?»
Decidiu, então, ficar por ali. O povo da aldeia aceitou-o e deu-lhe um terreno para cultivar. Akari fez uma cabana e, passado algum tempo, casou-se.
Um dia, não tendo nada que fazer no campo, disse à esposa:
— Há muito tempo que não vou à caça. Hoje vou ao bosque caçar uma boa gazela para o nosso jantar.
Pegou na lança, que já estava ferrugenta, e encaminhou-se para a floresta. Não sabia que aí havia tantas feras.
Avançou seguindo umas pegadas. Pelos ramos derrubados, compreendeu que tinham passado por ali elefantes.
De repente, apareceu correndo um leão, deteve-se a poucos passos de Akari, dando a impressão de que estava à espera dele há muito tempo.
O rei da selva abriu a bocarra e deu uns rugidos tão fortes que as folhas começaram a cair das árvores.
O caçador sentiu-se perdido. Não tinha por onde escapar. Olhou em redor. À direita tinha um grande matagal cheio de espinhos.
Fugiu para lá sem pensar no que fazia. Os espinhos rasgaram-lhe a pele, mas o medo era mais forte do que a dor.
O leão aproximou-se do matagal, mas quando viu os espinhos tão grandes e afiados, preferiu sentar-se à espera. Esperou três dias; mas, faminto e desiludido, foi-se embora.
Entretanto, na aldeia, aperceberam-se do desaparecimento de Akari. Encarregaram Rata, um famoso caçador, para ir ao bosque procurar o infeliz desaparecido.
Rata entrou na selva e, pouco depois, passou pelo matagal espinhoso.
— Quem está aí? — perguntou uma voz do meio dos espinhos.
— Sou eu!
— E quem és tu?
— Sou Rata e ando à procura de um homem que se perdeu na floresta.
— Sou eu esse homem. Ajuda-me a sair daqui.
— É como é que tu foste parar aí?
— Foi o medo que me fez vir para o meio destes espinhos.
— Está bem, eu vou tirar-te daí.
Rata pegou em erva seca, colocou-a à volta do matagal e lançou-lhe fogo. Ao ver-se rodeado pelas chamas, Akari deitou a correr outra vez através dos espinhos e saiu.
É bem verdade que um medo vence outro medo.

Fábulas africanas

Lisboa, Editorial Além-mar, 1991