terça-feira

As Chamas e o Caldeirão, Fábulas de Leonardo Da Vinci


As Chamas e o Caldeirão
  
Entre as cinzas mornas uma brasa ainda brilhava. Com muito cuidado, muita economia, usava o restante de suas forças, alimentando-se apenas para manter-se viva.
Porém chegou a hora de preparar a sopa no fogo, e então puseram lenha na lareira. Um fósforo, com sua pequenina chama, reavivou a brasa que já parecia morta. E uma língua de fogo lambeu a madeira acima da qual havia sido colocado o caldeirão.
Animado pela madeira seca, o fogo começou a crescer, expulsando o ar adormecido entre as toras e brincando com os pedaços de madeira. E divertiu-se correndo por baixo e por cima da lenha, dando voltas em torno, espalhando-se cada vez mais.
Em seguida as labaredas começaram a projetar-se da madeira, abrindo muitas janelas das quais saiam chuveiros de brilhantes fagulhas. Sombras escuras dançavam na cozinha.
Enquanto isso as chamas tornavam-se cada vez mais alegres, brincando com o ar em torno e começando uma cantiga que era um doce crepitar.
Em seguida, vendo que crescera além da madeira, o fogo começou a mudar. Geralmente humilde e quieto tornou-se orgulhoso e prepotente, achando que concedera o dom da chama àqueles pedaços de lenha.
Começou a soprar nuvens de fumaça e a encher a lareira de explosões e chuvas de fagulhas. Decidido a voar até o céu, atirou para o alto suas grandes chamas... E extinguiu-se no fundo negro do caldeirão.

Leonardo da Vinci

As Chamas, Fábulas de Leonardo Da Vinci


As Chamas
  
As chamas brilhavam há mais de um mês na fornalha do soprador de vidro, onde eram feitos vidros e garrafas.
Um dia viram aproximar-se uma vela colocada num castiçal fino e brilhante. Imediatamente, com um desejo ardente, as chamas tentaram aproximar-se da linda vela.
Uma delas, saltando da brasa que a alimentava, virou-se de costas para a fornalha e, passando através de uma pequenina fresta, atirou-se para cima da vela, devorando-a sofregamente.
Porém a ávida chama logo consumiu a pobre vela e, não desejando morrer com ela, tentou voltar para a fornalha de onde havia fugido.
Porém não conseguiu desgrudar-se da cera amolecida e, em vão, gritou para as outras chamas, pedindo socorro.
A chama rebelde transformou-se numa sufocante fumaça, e deixou todas suas irmãs resplandecentes, com a perspectiva de uma vida longa e brilhante.

Leonardo da Vinci

A Rede, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Rede
  
Naquele dia, como todos os dias, a rede subiu carregada de peixes. Carpas, barbos, lampreias, trutas, enguias e muitos, muitos outros peixes foram para as cestas dos pescadores.
Lá no fundo da água do rio, os sobreviventes, assustados e com medo, não ousavam se mexer. Famílias inteiras já haviam sido enviadas para o mercado. Diversos cardumes tinham caído na rede e terminado na frigideira. Que fazer?
Um grupo de jovens peixes promoveu uma reunião atrás de uma pedra e decidiu se revoltar.
- É uma questão de vida ou morte - disseram eles - todos os dias essa rede afunda na água, cada vez num local diferente, para nos aprisionar e nos levar embora de nosso lar. Vai acabar nos matando a todos, e o rio ficará sem peixe algum. Nossos filhos têm direito à vida e precisamos fazer alguma coisa para livrá-los deste flagelo.
- E que podemos fazer? - perguntou uma truta que seguira os conspiradores.
- Destruir a rede - responderam os outros em coro.
As enguias encarregaram-se de rapidamente espalhar a notícia dessa corajosa decisão e convocaram todos os peixes para um encontro na manhã seguinte, numa pequena enseada protegida por altos salgueiros.
No dia seguinte, milhões de peixes de todos os tamanhos e idades reuniram-se para declarar guerra à rede.
A liderança foi entregue a uma sábia e velha carpa, que por duas vezes conseguira escapar da prisão, mordendo as malhas da rede.
A liderança foi entregue a uma sábia e velha carpa, que por duas vezes conseguira escapar da prisão, mordendo as malhas da rede.
- Ouçam com atenção - disse a carpa - a rede é da largura do rio, e todas as malhas têm um chumbo preso por baixo, para que a rede afunde. Dividam-se em dois grupos. Um dos grupos suspenderá os pesos de chumbo e os carregará até a superfície, e o outro segurará as malhas por cima com firmeza. As lampreias vão serrar com os dentes a corda que mantém a rede esticada entre as duas margens. As enguias vão partir já, para fazer uma inspeção e nos informar em que local a rede foi lançada.
As enguias partiram. Os peixes formaram grupos ao longo das margens. Os barbos encorajavam os mais tímidos, relembrando-lhes o triste fim de tantos amigos e exortando-os a não terem medo de ficarem presos na rede, porque daquele dia em diante nenhum homem seria mais capaz de arrastá-la para a margem.
As enguias retornaram, missão cumprida. A rede fora lançada a uma milha dali.
Então todos os peixes, como uma frota gigantesca, partiram atrás da velha carpa.
- Tomem cuidado - disse a carpa - pois a correnteza pode arrastar vocês para dentro da rede. Sigam devagar e usem bem as nadadeiras.
E então viram a rede, cinzenta e sinistra.
Os peixes, acometidos de súbita fúria, nadaram para atacar.
A rede foi suspensa por baixo, as cordas que a seguravam foram cortadas, as malhas foram rasgadas. Mas os peixes, enfurecidos não largavam mais sua presa. Cada um segurava na boca um pedaço de malha e abanando fortemente as caudas e as nadadeiras, puxavam de todos os lados a fim de rasgar e destruir a rede. E a água parecia estar fervendo enquanto os peixes finalmente libertavam o rio daquele perigo.

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A Raposa e a Pega, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Raposa e a Pega
  
Certo dia uma raposa esfomeada viu-se debaixo de uma árvore sobre a qual estava pousado um bando de barulhentas pegas.
Escondendo-se para não ser vista, a raposa pôs-se a observar. Notou que os pássaros mantinham-se constantemente em busca de alimento e não temiam sequer pousar sobre cadáveres de animais a fim de bicá-los.
- Vou fazer uma experiência - disse a raposa para si mesma.
Cautelosamente, no maior silêncio, deitou-se no chão e permaneceu imóvel, de boca aberta, como se estivesse morta.
Breve uma pega a viu e imediatamente vôou para o chão.
Aproximou-se da raposa e, pensando que ela estava morta, pôs-se a bicar-lhe a língua.
Porém a pega deveria ter sido mais prudente, pois a raposa a apanhou.

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A Pulga e o Carneiro, Fábulas de Leonardo Da Vinci


A Pulga e o Carneiro


Certo dia, uma pulga que morava no pêlo macio de um cachorro, sentiu um agradável cheiro de lã.
- Que será isso?
Deu um salto e viu que o cachorro adormecera encostado à pele de um carneiro.
- Esta pele é exactamente o que preciso - disse a pulga - é mais espessa e mais macia, e principalmente mais segura. Não corro o risco de ser encontrada pelas patas e pelos dentes do cachorro, que a toda hora me procuram. E a pele do carneiro deve ser, certamente, mais agradável.
Então, sem mais pensar, a pulga mudou-se de casa, saltando das costas do cachorro para a pele do carneiro. Porém a lã era espessa, tão espessa que era difícil atravessá-la para chegar até a pele. Tentou e tornou a tentar, separando pacientemente os fios, procurando laboriosamente um caminho. finalmente atingiu as raízes dos pelos, mas eles eram tão juntos que ficavam praticamente encostados uns nos outros. A pulga não encontrou sequer um furinho através do qual pudesse atingir a pele do animal.
Cansada, banhada em suor e profundamente desapontada, a pulga resignou-se a voltar para o cachorro. Porém o cachorro não estava mais lá.
Pobre pulga! Chorou dias a fio de arrependimento por seu erro.

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segunda-feira

O Lírio, Fábulas de Leonardo Da Vinci


O Lírio - Fábulas de Leonardo Da Vinci

Nas verdes margens do rio Ticino um belo lírio mantinha-se reto e alvo em sua haste, mirando o reflexo de suas brancas pétalas na água. A água ansiava possuir o lírio.
A cada ondulação da superfície passava a imagem da linda flor branca. E o desejo da água voltava-se para as ondulações que ainda estavam por vir.
E assim todo o rio começou a estremecer e a correnteza tornou-se rápida e turbulenta. A água não conseguiu arrancar o lírio, que mantinha-se firme no alto de sua forte haste, e então atirou-se furiosamente contra a margem, que foi arrastada pela inundação.
E junto com a margem foi-se a linda e solitária flor.


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