As cegonhas
conto de Hans Christian
Andersen
(1805-1875)
Na última casa de uma pequena
aldeia, as cegonhas haviam construído um ninho, e a mamãe cegonha ficava
sentada dentro do ninho, com seus quatro filhinhos, que esticavam os seus
pescocinhos e levantavam seus biquinhos negros, os quais ainda não haviam ficado
vermelhos como os dos pássaros pais. Um pouco mais a distância, na ponta do
telhado, estava o pai das jovens cegonhas, todo ereto e duro; ele não gostava
de ficar ocioso, e encolhia uma perna, e ficava em cima da outra, parado desse
jeito, que parecia quase como se ele tivesse sido esculpido em madeira.
"Você precisa parecer muito grande," pensava ele, "para a minha
esposa confiar num sentinela que protege o seu ninho. Eles não sabem que eu sou
marido dela, eles acham que eu fui mandado ficar aqui, o que aliás é muito
chique" e assim ele continuava de pé sobre uma perna.
Na rua abaixo estavam algumas
crianças brincando, e quando elas avistaram as cegonhas, um dos garotos, o mais
ousado dentre eles, começou a cantar uma canção que falava delas, e em pouco tempo
os demais se juntaram a ele. Estes são os versos da canção, mas cada um deles
cantava apenas o que ele conseguia se lembrar da canção e do seu próprio jeito.
"Cegonha,
cegonha, voe para longe
Não fique com uma perna só, te imploro
Veja que a sua esposa está em seu ninho
Descansando com os seus filhinhos
Um deles vai ser degolado
E o outro frito na panela
Um terceiro vai morrer com um tiro
E o seu irmãozinho vai morrer assado"
Não fique com uma perna só, te imploro
Veja que a sua esposa está em seu ninho
Descansando com os seus filhinhos
Um deles vai ser degolado
E o outro frito na panela
Um terceiro vai morrer com um tiro
E o seu irmãozinho vai morrer assado"
"Escute só o que aqueles
garotos estão cantando," disseram os filhotes de cegonha, "eles estão
dizendo que vamos ser degolados e depois assados."
"Não se preocupem com o que
eles estão dizendo," disse a mãe deles. "Eles não podem nos fazer
nenhum mal."
Mas os garotos continuavam cantando
e apontando para as cegonhas, enquanto zombavam delas, com exceção de um dos
garotos que se chamava Pedro; ele dizia: "Que coisa feia ficar zombando
dos animais," e não queria brincar com eles de jeito nenhum. A mamãe
cegonha consolava os seus pequeninos, e falava para que eles não se preocupassem.
"Vejam," disse ela, "como o pai de vocês está tranquilo, embora
ele esteja em cima de apenas uma perna,"
"Mas nós estamos muito
assustados," disse o filhote de cegonha, e encolhiam suas cabeças para
dentro de seus ninhos.
No dia seguinte, quando as crianças
estavam brincando juntas, e viam as cegonhas, elas cantavam a canção novamente:
"Uma vai ser degolada
E a outra assada."
"Nós vamos ser degoladas e
assadas?" perguntavam os filhotes de cegonha.
"Não, é claro que não,"
disse a mãe. "Eu vou ensinar vocês a voarem, e quando vocês tiverem
aprendido, nós voaremos sobre as pradarias, e faremos uma visita aos sapos, que
farão reverências para nós dentro da água, e gritarão: "Croc, croc",
e então nós os comeremos e nos divertiremos muito."
"Mas, e depois? perguntavam os
filhotes de cegonha.
"E depois," respondeu a
mãe deles, "todas as cegonhas desta região formarão um bando, e passarão
juntas os seus dias de outono, de modo que é muito importante para que cada um
saiba voar corretamente. Se não fizerem isso, o general vai pegá-los pelos
bicos e vai matá-los. Portanto, vocês devem se esforçar para aprender, até que
estejam prontos para o início dos exercícios."
"Então poderemos ser mortos
depois de tudo, como dizem os garotos, e ouçam! eles voltaram a cantar."
"Ouçam a mim, não a eles,
"disse a mamãe cegonha. "Depois que a grande inspeção das tropas
tiver terminada, nós voaremos para longe para países quentes e longe daqui,
onde ficam as montanhas e as florestas. Para o Egito, onde veremos casas
construídas de pedras com três cantos, com topos pontudos que quase chegam às
nuvens. Elas são chamadas de pirâmides, e são mais velhas do que uma cegonha é
capaz de imaginar, e nesse país, existe um rio que transborda em suas margens,
e depois volta, sem deixar nada para trás exceto lodo, lá poderemos caminhar
por todo lado, e comeremos sapos até nos fartarmos.”
"Oba, oba!", gritavam as
pequenas cegonhas.
"Sim, lá é um lugar delicioso,
e não há nada para fazer o dia todo, além de comer, e embora estejamos tão bem
lá nesse lugar, aqui neste país não haverá uma única folha verde sobre as
árvores, e o tempo será tão frio, que as nuvens irão congelar, e cairão na
terra como se fossem pequenos fiapos de panos brancos." A cegonha falava
da neve, mas ela não conseguia se expressar de outra maneira.
"Será que os garotos
impertinentes irão também congelar e cair em pedaços?" perguntaram os
filhotes de cegonha.
"Não, eles não irão congelar e
cair em pedaços," disse a mãe, "mas eles sentirão muito frio, e serão
obrigados a ficarem sentados o dia todo num quarto escuro e sombrio, ao passo
que nós estaremos voando sobre terras estrangeiras, onde haverá flores desabrochando
e sol quente."
O tempo passou, e os filhotes de
cegonha cresceram tanto que eles conseguiam ficar de pé dentro do ninho e
olhavam ao redor. Todos os dias, o pai deles trazia para eles deliciosos sapos,
pequenas serpentes, e todos os tipos de guloseimas que as cegonhas gostavam, e
que ele conseguia encontrar. E então, como era engraçado ver os truques que ele
fazia para divertí-los. Ele colocava a cabeça totalmente arredondada sobre a
sua cauda, e fazia barulho com seu bico, parecendo que era um chocalho, e
depois ele contava histórias para os filhinhos que falavam de pântanos e
brejos.
"Venham," disse a mamãe um
dia, "agora vocês precisam aprender a voar." Todos os quatro filhotes
foram obrigados a saír do topo do telhado. Oh, como eles cambaleavam a
princípio, e eram forçados a ficarem balançando suas asas, ou poderiam cair no
chão lá embaixo.
"Olhem para mim," dizia a
mamãe, "vocês devem manter as cabeças deste jeito, e colocar os pés assim.
Um, dois, um, dois -- é isso aí. Agora vocês poderão tomar conta de si mesmos
no mundo.
Então ela voou uma pequena distância
como demonstração, e os filhotes ficavam pulando atrás dela, mas caíram como se
fossem gorduchos, pois os seus corpos eram ainda muito pesados.
"Eu não quero voar," disse
um dos filhotes da cegonha, e correu direto para o seu ninho. "Eu não dou
importância para esses negócios de viajar para países quentes."
"Você gostaria de ficar aqui e
congelar quando o inverno chegar?" disse a mãe dele, "ou até que os
garotos venham aqui para matá-lo degolado, ou assá-lo? -- Bem, então vou
chamá-los."
"Oh, não, não," disse o
filhote de cegonha, saltando do telhado junto com os outros, e agora eles foram
todos atenciosos, e já no terceiro dia, conseguiram voar um pouquinho. Então,
eles começaram a imaginar que eles poderiam voar alto, e então, tentaram fazer
isso, e descansavam suas asas, mas logo perceberam que estavam caindo, e tinham
que bater suas asas o mais rápido que podiam. Os garotos saíram outra vez na
rua cantando a canção deles:—
“"Cegonha, cegonha, voe para
longe."
"Será que nós poderíamos voar
até lá embaixo, e furar os olhos dele?" perguntavam os filhotes de
cegonha.
"Não, deixe-os em paz,"
disse a mamãe cegonha. "Ouçam-me agora, isto é muito mais importante.
Vamos lá. Um, dois, três. Agora para a direita. Um, dois, três. Agora para a
esquerda em volta da chaminé. E tudo isso era muito divertido. Essa última
batida de asas foi tão fácil e graciosa, que eu darei permissão a vocês para
voarem comigo amanhã nos pântanos. Lá vocês encontrarão um monte de cegonhas
muitos superiores junto com suas famílias, e eu espero que vocês mostrem a elas
que meus filhos são mais bem educados do que qualquer um que possa estar
presente lá. Vocês devem desfilar com orgulho -- vocês farão uma boa
apresentação e serão muito respeitados."
"Mas nós não podemos punir
aqueles garotos mau educados? perguntavam os filhotes de cegonha.
"Não, deixe que gritem o quanto
quiserem. Você pode voar para longe deles tão alto quanto as nuvens, e irão
para o país das pirâmides quando eles estiverem congelando aqui, e não haverá
uma única folha verde nas árvores ou sequer uma maçã para eles comerem."
"Nós nos vingaremos,"
sussurravam os filhotes de cegonha uns para os outros, enquanto se juntavam
novamente para retornar aos exercícios.
Todos os garotos da rua que cantavam
a canção zombando das cegonhas, apenas um estava determinado a continuar
fazendo isso e era aquele que havia começado a canção por primeiro. Todavia ele
era um garotinho que não tinha mais que seis anos de idade. Para os filhotes de
cegonha ele parecia ter mais de cem anos, porque ele era muito maior que o pai
e a mãe deles. Para sermos claros, não se espera que as cegonhas saibam quantos
anos tenham as crianças e as pessoas adultas. Então, eles decidiram se vingar
em cima deste garoto, porque ele começou a canção por primeiro e continuava
fazendo isso. Os filhotes de cegonha ficaram muito bravos, e ficavam piores
quanto mais velhos cresciam, então, a mãe deles finalmente obrigou que eles
prometessem que eles seriam vingados, mas não até o dia da partida deles.
"Primeiro precisaremos
verificar, como vocês irão se comportar na grande inspeção das tropas,"
disse ela, "se vocês tiverem maus resultados ali, o general irá jogar
vocês pelo bico, e vocês morrerão, como os garotos disseram, embora não
exatamente da mesma maneira. Então, teremos de esperar para ver."
"Você verá," disseram os
filhotes de cegonha, e então eles se esforçaram ao máximo e praticavam tão bem
todos os dias, que, finalmente, era um prazer muito grande vê-los voar com
tanta leveza e beleza. Assim que o outono chegou, todas as cegonhas começaram a
se reunir em grupos antes de partirem para os países quentes durante o inverno.
Então, a inspeção de tropa começou. Eles voaram sobre florestas e aldeias para
mostrar o que eles sabiam fazer, porque eles tinham uma grande viagem pela
frente. As jovens cegonhas fizeram a sua parte tão bem que elas receberam uma
insígnia de honra, com sapos e serpentes de presente. Estes presentes eram a
parte mais interessante da questão, pois eles podiam comer os sapos e as
serpentes, e isso eles fizeram muito rapidamente.
"Agora nós vamos ter a nossa
vingança," eles gritaram.
"Sim, com certeza,"
exclamou a mamãe cegonha. "Estive pensando na melhor maneira de nos
vingarmos. Eu conheço a lagoa onde todos os garotinhos gostam de brincar,
esperando até que as cegonhas apareçam para levá-las até seus pais. Os
bebezinhos mais lindos ficam lá sonhando mais docemente do que jamais sonharão
nos tempos futuros. Todos os pais ficam felizes com seus filhos pequenos, e as
crianças ficam tão encantadas com um pequeno irmão ou irmã. Então, nós voaremos
até a lagoa e levaremos um pequeno bebê para cada uma das crianças que não
cantarem aquela canção malcriada que menospreza as cegonhas."
"Mas o garoto mal comportado,
que começou a cantar a canção por primeiro, o que faremos com ele? gritaram os
filhotes de cegonha.
"Fica ali na lagoa um bebezinho
sem vida que sonhou com a própria morte," disse a mãe. "Nós o
levaremos para o garoto mal comportado, e ele írá chorar porque nós touxemos
pare ele um irmãozinho sem vida. Mas vocês não esqueceram do bom garoto que
disse que era feio zombar dos animais: nós levaremos para ele um lindo
irmãozinho e uma linda irmãzinha também, porque ele é um bom garoto. O nome dele
é Pedro, e vocês serão chamados de Pedro no futuro."
Então, todos eles fizeram o que a
mãe deles havia planejado, e daquele dia em diante, até os dias de hoje, todas
as cegonhas são chamadas de Pedro.
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