O Pinheirinho
Pensa no Natal e, provavelmente, pensarás numa árvore de
Natal. Na maioria dos locais onde o Natal é celebrado, a árvore é muito
importante. Significa uma vida nova e promete a vinda de dias mais claros na
Primavera. A versão de Jenny Koralek deste conto de Hans Christian Andersen é
melancólica, mas gosto da intensidade do seu sentimento, cheio da ansiedade e
da tristeza que sentimos, à medida que a festa chega ao fim. Guarda este conto
para o leres em voz alta com toda a família no dia de Reis. Não comeces, até
que todos tenham ajudado a arrumar as luzes e as decorações e até que haja um
trilho de fagulhas castanhas desde a sala de estar até à fogueira ao ar livre.
Então, estarás, precisamente, num momento de boa disposição para o fazer…
Lá fora, na
floresta, encontrava-se um pequeno e belo Pinheirinho. Nasceu num lugar
agradável, onde havia muita luz e muito ar. Estava rodeado de muitas árvores
maiores — pinheiros, e abetos também — mas o Pinheirinho ansiava por crescer
mais. Não dava valor ao ar fresco, ou às crianças que vinham tagarelar para a
floresta e procurar morangos e framboesas. Passavam muitas vezes com um cesto
cheio, sentavam-se junto do Pinheirinho e diziam: “Que bonito que é aquele
pequenino!”, mas não era nada disso que o Pinheirinho queria ouvir.
No ano
seguinte, tinha crescido um rebento novo e no ano que se seguiu cresceu ainda
mais. Pode-se sempre dizer, pelo número de anéis que tem no tronco, há quantos
anos uma árvore está a crescer.
— Oh, se eu
ao menos fosse tão grande como os outros! — suspirava o Pinheirinho. — Então,
espalharia os meus ramos para bem longe e, do meu topo, estaria atento a todo o
mundo. Os pássaros construiriam ninhos nos meus ramos e, quando o vento
soprasse, apenas abanaria, tão orgulhoso como as outras árvores.
No Inverno,
quando a neve pousa por todo o lado branca e brilhante, uma lebre veio a correr
e saltou por cima do Pinheirinho, o que o pôs zangado. Mas, três Invernos
passado, a pequena árvore tinha crescido tanto que a lebre teve de a contornar.
“Oh, crescer,
crescer e envelhecer! É, de certeza, a melhor coisa do mundo”, pensou a árvore.
No Outono, os
lenhadores vinham sempre para abater algumas das árvores maiores. O Pinheirinho
estremeceu de medo, pois as árvores grandes caíam estrondosamente no chão e os
ramos eram cortados para que parecessem bastante despidas. Eram colocadas em
camiões e levadas dali. “Para onde iriam?”, perguntou-se o Pinheirinho.
Na Primavera,
quando as andorinhas e as cegonhas chegaram, a árvore perguntou-lhes:
— Sabem para
onde vão as árvores? Viram-nas?
As andorinhas
responderam que não, mas a cegonha disse:
— Sim, penso
que sim. Vi muitos navios novos, quando deixei o Egipto. Tinham mastros muito
altos; penso que eram as árvores. Cheiravam a abetos. Tudo o que posso dizer é
que eram altas e imponentes — muito imponentes.
— Quem me
dera ser suficientemente grande para ir para o mar! — suspirou o Pinheirinho. —
Que tipo de coisa é o mar e a que se assemelha?
— Levaria
muito tempo para explicar tudo isso — disse a cegonha. E partiu.
— Devias
estar feliz por ainda seres jovem e forte — disseram os raios de Sol. E o vento
e a chuva beijaram a árvore, mas o Pinheirinho não queria saber do que eles
diziam.
Por altura do
Natal, foram cortadas muitas árvores jovens; árvores que eram mais jovens e
mais pequenas do que este Pinheirinho impaciente. A estas belas e jovens
árvores não foram cortados os ramos quando foram colocadas nos camiões e
levadas para fora do bosque.
— Para onde
vão? — perguntou o Pinheirinho. — Algumas são muito mais pequenas do que eu.
Porque é que não lhes cortaram os ramos? Para onde vão ser levadas?
— Nós
sabemos! Nós sabemos! — chilrearam os pardais. — Andamos sempre a espreitar
pelas janelas na cidade e, por isso, sabemos para onde vão. Vão ser decoradas
da maneira mais bonita que possas imaginar. Olhámos pelas janelas e vimos que
eram colocadas em vasos, numa quente sala de estar, e decoradas com as coisas
mais bonitas — maçãs douradas, bolos de mel, brinquedos e centenas de velas. —
E depois? — perguntou o Pinheirinho, com todos os ramos a tremer. — E depois? O
que acontece depois?
— Bem — disse
o pardal — só vimos isso, mas era maravilhoso.
— Talvez isso
me aconteça um dia! — gritou o Pinheirinho. — Isso ainda era melhor do que
viajar pelo mar. Se pelo menos agora fosse Natal! Oh, se ao menos me levassem!
Se ao menos estivesse numa sala de estar quente, decorado com coisas bonitas! E
depois? O que aconteceria? Devia ser ainda mais maravilhoso. Porque me
enfeitariam? Oh, quem me dera que isto me acontecesse!
— Sê feliz
aqui connosco — disseram o ar e a luz do Sol. — Sê feliz aqui na floresta.
Mas o
Pinheirinho não era nada feliz. Crescia, crescia e continuava ali, verde,
verde-escuro. As pessoas que o viam diziam: — É uma árvore muito bonita! E, por
altura do Natal, foi cortada antes dos outros. O machado cortou-a bem fundo, no
tronco, e a árvore caiu para o chão com um suspiro: sentiu uma dor, e agora
estava triste por ter de deixar o lar. Sabia que nunca mais iria ver os amigos,
os pequenos arbustos e as flores — talvez até os pássaros.
A árvore só
voltou a si quando estava a ser descarregada num quintal, juntamente com outras
árvores, e ouviu um homem dizer:
— Esta é a
melhor. Só queremos esta!
Depois,
vieram dois criados vestidos com uniformes brilhantes e levaram o Pinheirinho
para uma sala enorme e bonita. Havia, por todo o lado, quadros pendurados nas
paredes e, junto do fogão, estavam enormes jarros chineses com leões.
Havia
cadeiras de baloiço, sofás de seda, mesas cobertas de livros ilustrados e
centenas de brin quedos por todo o lado.
O Pinheirinho
foi posto dentro de um vaso grande com areia. A árvore tremeu! O que iria
acontecer a seguir? Os criados e as crianças começaram a enfeitá-lo. Nos ramos,
penduraram pequenos sacos feitos de papel colorido. Cada saco era enchido com
guloseimas; maçãs douradas e nozes pendiam, como se tivessem nascido ali, e
centenas de velinhas foram atadas aos galhos. Bonecas que pareciam pessoas de
verdade pendiam de outros ramos e, mesmo no topo da árvore, estava fixada uma
estrela de latão. Era magnificente, extraordinário!
— Esta noite
— disseram todos — esta noite, a estrela brilhará.
— Oh — disse
o Pinheirinho — se ao menos já fosse noite! Oh, espero que acendam as velas
brevemente. Será que as árvores vêm da floresta para me ver? E será que os
pardais vão espreitar pelas janelas? Será que vou ficar aqui ornamentado para
sempre?
Todas estas
perguntas causaram dores de costas à árvore e as dores de costas são tão más
para as árvores como as dores de cabeça para as pessoas. Por fim, as velas
foram acesas. Que brilho, que esplendor! O Pinheirinho tremeu tanto que uma das
velas pegou fogo a um ramo verde, mas foi rapidamente apagado.
E, naquele
momento, as portas foram abertas de par em par e as crianças entraram cheias de
pressa. Olharam fixamente e em silêncio para a árvore, mas apenas por um
minuto. Começaram a gritar de alegria e a dançar à volta da árvore, puxando os
presentes.
“O que estão
a fazer?”, pensou o Pinheirinho. “O que se está a passar?”
As velas
arderam até ao fim, as crianças tiraram as guloseimas da árvore e dançaram com
os brinquedos novos. Já ninguém olhava para a árvore, excepto um homem idoso
que se aproximou e espreitou por entre os ramos para ver se todas as nozes e
maçãs tinham sido comidas.
— Uma
história! Uma história! — gritavam as crianças, e levaram, para junto da
árvore, um homem divertido, que se sentou mesmo debaixo dela.
— Vamos
fingir que estamos no bosque verde — disse — e que a árvore consegue ouvir o
conto.
E o homem
divertido contou o conto de Klumpey-Dumpey, que estava sempre a cair pelas
escadas abaixo e, já no fim, casou com uma princesa. O Pinheirinho ficou
bastante silencioso e pensativo. Os pássaros do bosque nunca tinham contado uma
história como esta. Klumpey-Dumpey sempre a cair pelas escadas abaixo e, mesmo
assim, casou com uma princesa.
— Bem! Bem! —
disse o Pinheirinho. — Quem sabe? Talvez eu também tenha de cair pelas escadas
abaixo e casar com uma princesa! — e estava ansioso por ser de novo decorado
com velas, brinquedos e frutos, na noite seguinte.
Mas, de
manhã, os criados vieram tirá-lo da sala, levaram-no para o sótão e puseram-no
num canto, onde não entrava a luz do dia. “O que significa isto?” pensou a
árvore. “O que estou a fazer aqui? O que está a acontecer?”
Encostou-se à
parede, pensou e pensou. E teve tempo suficiente, pois passaram-se dias e
noites e ninguém voltou lá a subir.
A árvore
parecia ter sido totalmente esquecida.
— Agora, é
Inverno lá fora — disse o Pinheirinho. — A terra está dura e coberta de neve, e
as pessoas não podem plantar-me. Suponho que devo ficar aqui abrigado, até que
venha a Primavera. Que atenciosos! Mas que pessoas boas! Se ao menos aqui eu
não estivesse tão às escuras e tão sozinho!… Era bonito lá fora, na floresta,
quando a neve pousava espessa, e aquela lebre vinha saltar por cima de mim;
mas, na altura, eu não gostava. Isto aqui em cima é terrivelmente solitário!
Mas que pessoas boas!
De repente,
dois ratinhos aproximaram-se lentamente. Cheiraram o Pinheirinho e, depois,
subiram para os ramos.
— Está muito
frio aqui em cima — disseram os dois ratinhos. — Também achas, árvore velha?
— Não sou
velha — disse o Pinheirinho.
— De onde
vens? — perguntaram os ratos. — E o que conheces?
Eram muito
inquisitivos.
— Conta-nos
sobre o lugar mais bonito do mundo! Já estiveste lá?
— O lugar
mais bonito do mundo — disse a árvore — é a floresta, onde o Sol brilha e os
pássaros cantam. E, depois, contou aos ratos tudo sobre a sua juventude. Os
ratinhos ouviram e disseram:
— Tantas
coisas que já viste! Deves ter sido muito feliz!
— Fui — disse
o Pinheirinho. — Aqueles foram, realmente, tempos de felicidade.
Mas, depois,
contou-lhes sobre a Véspera de Natal, quando tinha sido enfeitado com
guloseimas e velas.
— Oh! —
disseram os ratinhos. — Como foste tão feliz, árvore velha!
— Não sou
velha — disse a árvore. — Só saí da floresta este Inverno.
— Mas que
histórias maravilhosas podes contar! — disseram os ratinhos.
E no dia
seguinte, vieram com mais quatro ratinhos para ouvir o que a árvore tinha para
contar.
Assim, o
Pinheirinho contou-lhes a história do Klumpey-Dumpey e os ratinhos correram
direitos para o topo da árvore, cheios de satisfação. Na noite seguinte, vieram
muito mais ratos, e o Pinheirinho contou outra vez a mesma história. Mas,
quando descobriram que a árvore não sabia mais histórias, os ratos ficaram
aborrecidos e foram-se embora.
O Pinheirinho
ficou triste.
— Era muito
agradável, quando os ratinhos divertidos ouviam a minha história, mas em breve
vai chegar a Primavera. Vou ficar tão feliz quando me tirarem deste local
solitário!…
Quando chegou
a Primavera, as pessoas vieram remexer no sótão. Um criado levou a árvore para
baixo, onde a luz do dia brilhava.
“Agora, a
vida vai começar de novo!”, pensou a árvore.
Sentiu o ar
fresco e os raios do Sol no pátio. O pátio estava perto de um jardim, onde as
rosas estavam em flor, as árvores cheias de folhas e as andorinhas a cantar.
— Agora,
tenho de viver! — disse a árvore, alegremente, e esticou os ramos. Mas, meu
Deus! Estavam todos murchos e amarelos. Ficou a um canto, entre as urtigas e as
ervas daninhas. A estrela de latão ainda lá estava e brilhava com a luz do Sol.
No pátio, as
crianças, que no Natal tinham dançado à volta da árvore, estavam a brincar. Uma
delas trepou à árvore e tirou a estrela dourada.
— Vejam o que
está agarrado a este velho e feio Pinheirinho — disse a criança, e começou a
pisar-lhe os ramos até partirem debaixo das botas.
E a árvore
olhou para todas as flores e para o belo jardim e, depois, para ela própria, e
desejou ter ficado no canto escuro do sótão. Pensou na juventude fresca na
floresta, na Véspera de Natal feliz e nos ratinhos que ouviram com tanta
alegria a história do Klumpey-Dumpey.
— Passado!
Passado! — disse a velha árvore. — Acabou tudo. Se ao menos tivesse sido mais
feliz naquela época.
E veio um
criado e cortou a árvore aos pedacinhos. Estava ali um feixe enorme. Ardia
resplandecente no fogão, suspirava profundamente e cada suspiro era uma pequena
explosão. As crianças sentaram-se junto da lareira, olharam para ela e
gritaram:
— Zás! Trás!
Mas, a cada
explosão, que era um suspiro profundo, a árvore pensava num dia de Verão na
floresta, ou numa noite de Inverno, quando as estrelas brilhavam. Pensava na
Véspera de Natal e no Klumpey-Dumpey, a única história que tinha ouvido ou que
sabia contar; e, depois, a árvore foi queimada.
As crianças
brincaram no jardim e o mais novo usou a estrela dourada que a árvore tinha
usado na sua noite mais feliz.
Agora, tudo
acabara. A vida da árvore tinha terminado e o conto também.
Hans Christian Andersen
O grande livro do Natal
Ian Whybrow (org.)
Porto, Edições Asa, 2004
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