De aluna a professora
A minha
priminha Aldinha, desde que aprendeu a ler, não pára. Lê tudo: BOLACHAS MARIA,
SUPER POP LIMÃO, FÓSFOROS QUINAS, TALCO, CUIDADO COM O CÃO, COMPOTA NATURAL,
CORREIOS, TV-GUIA, SONY, ORATOL, VIARCO N°2, CASCAIS, BOMBEIROS, CREME NÍVEA…
Até lê, sem se atrapalhar nem tossir, MUCOSOLVAN XAROPE. Fantástico!
Desde que
aprendeu a ler, a minha priminha Aldinha tem uma pena infinita dos que não
sabem ler. E, levada pelo impulso de a todos proporcionar a mesma descoberta
encantada da palavra escrita, mal aprendeu a ler, logo quis ensinar.
Começou pelo
gato Badameco. Pôs-lhe o livro à frente, mas o gato bocejou à primeira página,
espreguiçou-se, desenrolou-se, enrolou-se e fechou os olhos. Um preguiçoso.
Assim não vai avançar na vida. Ficará para sempre um gato analfabeto.
Tentou,
depois, com o Pimpas, mas o cão, antes da aula, quis provar o livro e foi um
sarilho para, depois, lho tirar da boca.
— Não é assim
que se lê — zangou-se a Aldinha, a tentar pôr ordem nas folhas descoladas pela
demasiada vontade de saber do Pimpas.
— Ignorantes.
Um só queria dormir. O outro só queria brincar. Ora a vida não é só descanso e
brincadeira. Há que aprender. Há que aprender pelos livros. Há que trabalhar —
dizia a minha prima Aldinha.
A Aldinha,
então, lembrou-se de que lhe tinham dado boas informações de um bichito por
todos considerado como muito trabalhador, muito diligente.
Qual? A
formiga.
É de uma
persistência! Ela própria vira uma formiga carregar um niquito de bolo e não o
largar, puxa daqui, empurra de acolá, até se escapulir, com ele às costas, por
uma fenda do soalho.
Tão
laboriosas já eram, que, se soubessem ler, do que elas não seriam capazes! Por
isso a minha priminha Aldinha decidiu instruir, por junto, todo um formigueiro.
Abriu o livro
das primeiras leituras, ao deitado, junto a um carreirinho. Depois, chamou a
atenção das formigas com uns grãozinhos de açúcar.
Claro que
elas vieram ao petisco. Enquanto se deliciavam, à volta do açúcar e das letras,
a minha prima apontava: A. tua tia Tila é tola e A tua tia Tila entalou a tola e A tua tia
Tila tem a tola com tala e tela.
Realmente, o
desenho mostrava uma senhora de olhos esbugalhados, sentada numa cama, com a
cabeça enrolada, em estilo de turbante hospitalar.
Não faço
ideia o que pensaram desta desastrada tia as formigas do carreiro. Pouco bem,
acho eu. Entretanto, a minha prima, por sua vez, achou que devia mudar de
lição. Deixou umas tantas formigas atrasadas às voltas da tia Tila e passou
para A
pala da Paula é de napa, outra interessantíssima história, que dava
gosto ler.
E por aí
fora. Os progressos das formigas eram evidentes, sobretudo quando atraídas com
açúcar para os deveres escolares.
— Mas elas
sabem mesmo ler? — intriguei-me eu.
— Claro que
sabem — respondeu-me a priminha. — Ainda ontem as vi, agarradas a uns bocados
de jornal, que alguém deixou no meio da mata, no Domingo passado.
— Gostam de
notícias frescas — comentei. — E escrever, escrevem?
— Claro que
escrevem, mas com uma letra muito pequenina.
Pareceu-me
natural. Tudo tem a sua proporção. Só a minha priminha Aldinha escapa a esta
lei. Tão pequenina e já tão diligente, tão responsável, tão paciente.
Qualidades que fazem uma autêntica professora.
É o que ela
vai ser, quando for crescida. Professora de crianças, está visto, porque as suas
alunas formigas, essas, nessa altura já devem andar na Universidade.
Vamos até
combinar uma coisa.
Quando também
vocês lá chegarem, ponham os olhos no chão e procurem-nas. É que vão
encontrá-las, pela certa, a caminho da cantina universitária. Uma atrás da
outra, incansáveis. São as disciplinadas formigas da minha priminha Aldinha.
Quem começa bem, vai longe.
António Torrado
Trinta por uma linha
Porto, Civilização Editora, 2008
Trinta por uma linha
Porto, Civilização Editora, 2008
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