A Garça Velha – Fábula de Monteiro Lobato
Certa garça nascera,
crescera e sempre vivera à margem duma lagoa de águas turvas, muito rica em
peixes. Mas o tempo corria e ela envelhecia. Seus músculos cada vez mais
emperrados, os olhos cansados – com que dificuldade ela pescava!
– Estou mal de sorte, e
se não topo com um viveiro de peixes em águas bem límpidas, certamente que
morrerei de fome. Já se foi o tempo feliz em que meus olhos penetrantes
zombavam do turvo desta lagoa…
E de pé num pé só, o
longo bico pendurado, pôs-se a matutar naquilo até que lhe ocorreu uma idéia.
– Caranguejo, venha cá! –
disse ela a um caranguejo que tomava sol à porta do seu buraco.
– Às ordens. Que deseja?
– Avisar a você duma
coisa muito séria. A nossa lagoa está condenada. O dono das terras anda a
convidar os vizinhos para assistirem ao seu esvaziamento e o ajudarem a apanhar
a peixaria toda. Veja que desgraça! Não vai escapar nem um miserável guaru.
O caranguejo arrepiou-se
com a má notícia. Entrou na água e foi contá-la aos peixes.
Grande rebuliço. Graúdos
e pequeninos, todos começaram a pererecar às tontas, sem saberem como agir. E
vieram para a beira d’água.
– Senhora dona do bico
longo, dê-nos um conselho, por favor, que nos livre da grande calamidade.
– Um conselho?
E a matreira fingiu
refletir. Depois respondeu.
– Só vejo um caminho. É
mudarem-se todos para o poço da Pedra Branca.
– Mudar-se como, se não
há ligação entre a lagoa e o poço?
– Isso é o de menos. Cá
estou eu para resolver a dificuldade. Transporto a peixaria inteira no meu
bico.
Não havendo outro
remédio, aceitaram os peixes aquele alvitre – e a garça os mudou a todos para o
tal poço, que era um tanque de pedra, pequenininho, de águas sempre límpidas e
onde ela sossegadamente poderia pescá-los até o fim da vida.
Ninguém acredite em conselho de inimigo.
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