O burro juiz - Fábula de Monteiro Lobato
Disputava a gralha com o
sabiá, afirmando que a sua voz valia a dele. Como as outras aves rissem daquela
pretensão, a bulhenta matraca de penas, furiosa, disse:
— Nada de brincadeiras.
Isto é uma questão muito séria, que deve ser decidida por um juiz. Canta o
sabiá, canto eu, e a sentença do julgador decidirá quem é o melhor artista.
Topam?
— Topamos! piaram as
aves. Mas quem servirá de juiz?
Estavam a debater este
ponto, quando zurrou um burro.
— Nem de encomenda!
exclamou a gralha. Está lá um juiz de primeiríssima para julgamento de música,
pois nenhum animal possui maiores orelhas. Convidê-mo-lo.
Aceitou o burro o juizado
e veio postar-se no centro da roda.
— Vamos lá, comecem!
ordenou ele.
O sabiá deu um pulinho,
abriu o bico e cantou. Cantou como só cantam sabiás, garganteando os trinos
mais melodiosos e límpidos. Uma pura maravilha, que deixou mergulhado em êxtase
o auditório em peso.
— Agora eu! disse a
gralha, dando um passo à frente.
E abrindo a bicanca
matraqueou uma grita de romper os ouvidos aos próprios surdos.
Terminada a justa, o
meritíssimo juiz deu a sentença:
— Dou ganho de causa à
excelentíssima senhora dona Gralha, porque canta muito mais forte que mestre
sabiá. (*)
Quem burro nasce, togado ou não, burro morre.
(*) A condenação de Monteiro Lobato a uma pena de
prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional em 1941 confirmou essa velha fábula.
A sentença deu a razão ao que cantava mais forte...
Fonte: De Fábulas, in Obras Completas de Monteiro
Lobato, Vol. 15, 17ª edição, 1969. Editora Brasiliense.
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