Os Dois Burrinhos - Fábula de Monteiro Lobato
Muito lampeiros, dois
burrinhos de tropa seguiam trotando pela estrada além. O da frente conduzia
bruacas de ouro em pó; e o de trás, simples sacos de farelo. Embora burros da
mesma igualha, não queria ser o primeiro que o segundo lhe caminhasse ao lado.
- Alto lá! - dizia ele -
não se emparelhe comigo, que quem carrega ouro não é do mesmo naipe de quem
conduz feno. Guarde cinco passos de distância e caminhe respeitoso como se
fosse um pajem.
O burrinho do farelo
submetia-se e lá trotava, de orelhas murchas, roendo-se de inveja do fidalgo...
De repente...
Osh! Oah! São ladrões da
montanha que surgem de trás de um tronco e agarram os burrinhos pelos
cabrestos.
Examinam primeiramente a
carga do burro humilde e, - Farelo! - exclamaram desapontados - o demo o leve!
Vejamos se há coisa de mais valor no da frente.
- Ouro, ouro! - gritam,
arregalando os olhos. E atiram-se ao saque.
Mas o burrinho resiste.
Desfere coices e dispara pelo campo afora. Os ladrões correm atrás, cercam-no e
lhe dão em cima, de pau e pedra. Afinal saqueiam-no.
Terminada a festa, o
burrinho do ouro, mais morto que vivo e tão surrado que nem suster-se em pé
podia, reclama o auxílio do outro que muito fresco da vida tosava o capim
sossegadamente.
- Socorro, amigo! Venha
acudir-me que estou descadeirado...
O burrinho do farelo
respondeu zombeteiramente:
- Mas poderei por acaso
aproximar-me de Vossa Excelência?
- Como não? Minha
fidalguia estava dentro da bruaca e lá se foi nas mãos daqueles patifes. Sem as
brucas de ouro no lombo, sou uma pobre besta igual a você...
- Bem sei. Você é como
certos grandes homens do mundo que só valem pelo cargo que ocupam. No fundo,
simples bestas de carga, eu, tu, eles...
E ajudou-o a regressar
para casa, decorando, para uso próprio, a lição que ardia no lombo do vaidoso.
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