segunda-feira

O Patinho feio, Contos de Hans Christian Andersen


O Patinho feio
O verão havia chegado e o tempo estava muito agradável no campo, a plantação de milho se vestia de dourado, a aveia de verde, e as pilhas de feno, amontoadas nas pradarias, se revestiam de beleza. A cegonha andava por todos os lados com suas pernas longas e avermelhadas, tagarelando no desconhecido idioma egípcio, que ela havia aprendido com a sua mãe. Os milharais e as campinas eram rodeados por imensas florestas, no meio das quais podiam se ver riachos profundos. De fato, era muito agradável caminhar pelos campos.
E num recanto ensolarado, ficava uma fazenda muito antiga e aconchegante às margens de um rio muito fundo, e entre a casa e a região dos rios, folhas de bardanas cresciam livremente, indo até os lugares mais altos, e debaixo da mais alta de todas elas, uma criança podia ficar de pé. O lugar era tão selvagem como o núcleo mais central de uma espessa floresta. Nesse recanto confortável uma pata repousava em seu ninho, esperando chocar uma nova ninhada; e já estava começando a se entediar dessa tarefa, porque há muito tempo que alguns pequeninos já haviam saído da casca, e ela raramente recebia uma visita. As outras patas preferiam ficar nadando no rio, do que se arriscarem e subirem suas margens escorregadias, e ficarem sentadas debaixo de uma folha de bardana, para se distrairem, jogando conversa fora com ela.
Finalmente uma casca de abriu, e depois outra, e de cada ovo saía uma criaturinha viva que levantava a cabecinha e dizia, "Pip, pip." "Quack, quack," respondia a mãe, e então, todos eles grasnavam tão forte quanto podiam, e ficavam olhando por todos os lados para as imensas folhas verdes. A mãe deles deixava que eles olhassem o quanto quisessem, porque ela dizia que o verde fazia bem para os olhos.
"Como este mundo é grande," diziam os patinhos, porque eles haviam descoberto que havia muito mais espaço ainda do que eles tinham tido quando eles estavam dentro da casca do ovo.
"Vocês estão achando que isto aqui é o mundo inteiro?" perguntou a mãe; "Esperem até que vocês conheçam o jardim; ele se estende muito além dos campos da casa do padre, mas eu jamais me arrisquei a ir tão longe. Todos já estão fora da casca?" continuou ela, esforçando-se para se levantar; "Não, me parece que o ovo maior ainda está lá. Fico pensando quanto tempo vou ter de esperar, já estou cansada de ficar aqui;" e ela voltou a se sentar no ninho.
"E então, como é que a senhora está passando?" perguntou uma velha pata, que lhe fazia uma visita.
"Um ovo ainda não está chocado," disse a pata, "está demorando para partir. Mas dê só uma olhada nos outros, eles não são mesmo os patinhos mais lindos que você já viu? Eles são a cara do pai deles, aquele ingrato, que nunca vem visitá-los."
"Permita que eu dê uma olhada no ovo que ainda não se quebrou," disse a pata velha; "Tenho certeza de que é um ovo de peru. Uma vez me convenceram a chocar alguns deles, e depois de todo o cuidado e preocupação que tive com os pequeninos, eles tinham medo de água. Eu grasnei e cacarejei, mas não adiantou nada. Eu não poderia permitir que eles se arriscassem. Quero dar uma olhada no ovo. Sim, esse é um ovo de peru; ouça o que estou dizendo, deixe-o onde está e ensine os outros pequeninos a nadar."
"Acho que vou ficar sentada em cima dele um pouquinho mais," disse a pata; "como já faz tempo que estou sentada aqui, mais alguns dias não me farão mal."
"Faça como quiser," disse a pata velha, e foi embora.
Até que um dia o ovo grande se rompeu, e um pequenino saiu para fora e gritava, "Pip, pip." Ele era muito grande e feio. A pata então, se assustou com ele e exclamou, "Ele é muito grande e não se parece em nada com os outros. Será que ele é mesmo um peru?. Logo vamos descobrir isso, quando tiver que entrar na água. Ele vai ter que entrar, nem que eu mesma tenha de empurrá-lo."
No dia seguinte o tempo estava ensolarado, e o sol brilhava forte sobre as folhas verdes de bardana, então, a mamãe pata levou os seus filhotinhos até uma pequena lagoa, e saltou para dentro dela espirrando água. "Quack, quack," gritava ela, e um após o outro os pequenos patinhos saltavam para dentro da água. A água cobria a cabecinha deles, mas num instante eles botavam a cabecinha para fora, e nadavam pra cá e pra lá despreocupadamente chapinhando debaixo da água com suas patinhas com muita facilidade, e o patinho feio também havia entrado na água e nadava com eles.
"Oh," disse a mãe, "ele não é um peru; ele sabe bem usar suas perninhas, e ele se porta com muita elegância! Ele é meu filho sim, e ele não é tão feio assim, se você olhar bem. Quack, quack! venha aqui com a mamãe, quero levar você para te conhecerem, e quero também apresentá-lo lá no pátio da fazenda, mas você precisa ficar bem pertinho de mim ou alguém poderá pisar em você; e, além de tudo, tenha cuidado com o gato."
Quando eles chegaram no pátio da fazenda, a algazarra era geral, duas famílias estavam brigando por causa da cabeça de uma enguia, que, no final das contas, acabou sendo levada pelo gato.
"Vejam, crianças, como são as leis do mundo," disse a pata mãe, enquanto afiava o bico, pois ela teria gostado de ter ficado com a cabeça da enguia para ela. "Se virem!, agora, usem suas pernas, quero ver como vocês se comportam direitinho. Vocês devem baixar suas cabeças educadamente para aquela pata velha que vem ali; ela nasceu em berço de ouro, e é de descendência espanhola, e dizem, que ela é muito rica. Vocês perceberam que ela carrega uma fita vermelha amarrada na perna dela, esse é um comportamento muito especial, e uma honra muito grande para uma pata; isso significa que todos devem ter muito respeito por ela, e que ela é admirada tanto pelos humanos como pelos animais. Vamos embora, agora, cuidado com suas patinhas, um pato bem educado os mantém bem abertos, assim como o papai e a mamãe estão fazendo, agora, abaixem o pescoço, e digam “quack” para ela.
Os patinhos fizeram o que a mãe deles havia pedido, mas o patinho que estava chegando ficou assustado, e disse, "Vejam, lá vem vindo uma outra ninhada, como se já não fôssemos o bastante! e que aparência esquisita tem um deles; não vamos querê-lo aqui," e então, um deles saiu correndo e o bicou bem no pescoço.
"Deixem-no em paz," disse a mãe dele; "ele não está lhe fazendo nada."
"Sim, mas ele é muito grande e feio," disse o pato mal humorado "e portanto, ele deve ser expulso daqui."
"Os outros patinhos são muito bonitinhos," disse a pata velha, a que tinha uma fita na perna, "todos, menos um; gostaria que a mãe dele pudesse dar um jeitinho nele."
"Isso é impossível, sua excelência," respondeu a mãe; "ele não é bonito; mas é bem comportado, e nada tão bem e talvez melhor que os outros. Eu acho que quando ele crescer ele vai ficar bonito, e talvez um pouco menor; ele ficou tempo demais dentro do ovo, é por isso que ele teve algum problema de formação;" e então, ela fez um carinho no pescoço dele e deu uma alisada nas penas dele, dizendo, "Ele é um pato e portanto, isso não tem nenhuma importância. Quando ele crescer ele vai ficar forte, e poderá cuidar de si mesmo."
"Os outros patinhos são muito gracisos," disse a pata velha. "Bem, fiquem à vontade, e se vocês encontrarem uma cabeça de enguia, podem trazê-la para mim." E assim eles ficaram à vontade.
Mas o pobre patinho, que havia saído da casca por último, e parecia tão feio, era bicado, empurrado e zombado, não apenas pelos patos, mas também por todas as outras aves. "Ele é grande demais," todos diziam, e o peru macho, que tinha vindo ao mundo com esporas, e achava que realmente ele era o imperador, se inflava como um navio a todo vapor, e se atirava em direção ao patinho, que ficava com a cabeça vermelha de tanta raiva, e o coitadinho não sabia para onde ir, e se sentia desprezado porque ele era muito feio e todos que viviam no cercado riam dele.
E assim acontecia todos os dias até que foi ficando cada vez pior. O pobre patinho era maltratado por todos; até mesmo seus irmãos e irmãs eram descortezes com eles, e diziam, "Ah, você é muito feio, quero que o gato pegue você," e sua mãe dizia que ela gostaria que ele nunca tivesse nascido. Os patos bicavam ele, as galinhas o derrubavam, e a menina que dava comida para as aves o chutava com o pé.
Até que ele resolveu ir embora pra longe, assustando as pequenas aves do cercado quando ele voava por cima dos mourões. "Eles tem medo de mim porque eu sou feio," dizia ele. E então, ele fechou os olhos, e voava ainda para mais longe, até que ele chegou a um grande pântano, que era habitado por patos selvagens. Ali ele permaneceu a noite toda, se sentindo muito cansado e entristecido.
Na manhã seguinte, quando os patos selvagens voavam pelo ar, eles ficaram espantados com seu novo companheiro. "Que tipo de pato é você?" diziam todos que se aproximavam dele. Ele baixava a cabeça diante deles, porque ele era um pato tão educado quanto possível, mas não respondia à pergunta deles.
"Você é um pato exageradamente feio," diziam os patos selvagens, "mas isso não importa desde que você não queira se casar com alguém de nossa família." Pobrezinho! ele não tinha sonhos de se casar; tudo o que ele queria era ter permissão era se deitar por entre os juncos, e beber um pouco de água no brejo.
Depois de ter passado dois dias no pântano, eis que dois gansos selvagens se aproximaram, ou melhor, dois filhotes de gansos, porque eles não haviam saído do ovo há muito tempo, e eram muito atrevidos.
"Ouça, meu amigo" disse um deles para o patinho, "você é tão feio, que nós simpatizamos muito com você. Você não gostaria de vir com a gente, para se tornar uma ave migratória? Não muito longe daqui existe um outro pântano, onde vivem também algumas belas gansas selvagens, e todas elas são solteiras. É a tua chance de conseguir se casar; você pode ter sorte, mesmo sendo feio como é."
"Bum, bum," ouviu-se barulho de tiros no ar, e os dois gansos selvagens caíram mortos no meio dos juncos, e a água ficou tingida de sangue. "Bum, bum," repetiram-se os estrondos à distância, e um bando inteiro de gansos selvagens levantaram voo dos juncos onde estavam. O som continuava em todas as direções, pois os caçadores haviam cercado o pântano, e alguns deles até estavam sentados em cima dos galhos das árvores, e de lá viam todo o brejo. A fumaça azulada das espingardas subia até as nuvens por cima das árvores escuras, e às vezes até chegavam a atravessar as águas, de repente, um bando de cães de caça cercava por entre os juncos, que se dobravam diante deles à medida que passavam. Como isso assustou o pobre do patinho! E virou a cabeça e a escondeu debaixo de sua asa, e no mesmo instante um cachorro grande e pavoroso passou bem perto dele. As suas mandíbulas estavam abertas, a sua língua comprida dançava fora da boca, e seus olhos o fitavam assustadoramente. Ele cheirou o patinho com seu nariz, mostrando seus dentes afiados, e então, "splash, splash," entrou dentro da água sem sequer tocá-lo.
"Oh," suspirou o patinho, "graças a Deus que sou feio; nem mesmo o cachorro quer me morder."
E então, ele ficou ali quietinho, enquanto os tiros ribombavam por entre os juncos, e tiros e mais tiros eram disparados por cima dele.
O dia já estava acabando até que tudo ficou calmo, mas nem mesmo a pobre criaturinha não ousava se mover. Ele esperou silenciosamente durante várias horas, e então, depois de olhar cuidadosamente ao redor, fugiu apressadamente daquele brejo o mais rápido que conseguiu. Voou por cima dos campos e das pradarias até que uma tempestade surgiu, e ele não tinha mais forças para continuar a lutar.
Quando a noite chegou, ele chegou a uma cabana pequena e pobre que parecia estar prestes para desabar, e só conseguia permanecer de pé porque ela não havia decidido de qual lado cair primeiro. A tempestade continuava tão violenta, que o patinho não conseguia prosseguir mais; ele se sentou perto da cabana, e então, ele percebeu que a porta não estava totalmente fechada porque uma das dobradiças havia se partido. Portanto, havia uma estreita abertura na parte de baixo, grande o bastante para ele passar, o que ele fez muito tranquilamente, e encontrou um abrigo naquela noite.
Uma mulher, um gato, e uma galinha viviam naquela cabana. O gato, a quem a dona da casa chamava de, "Meu filhinho," era o grande favorito dela; ele sabia arcar as costas, e ronronar, e ele poderia até lançar chispas do seu pelo se lhe fizessem carinho do lado errado. A galinha tinha pernas muito curtas, e então, ela era chamada de "Chica nanica." Ela gostava de botar ovos, e a dona gostava muito dela como se ela fosse sua única filha.
De manhã, o estranho visitante foi descoberto, e o gato começou a ronronar, e a galinha a cacarejar.
"O que será todo esse barulho?" disse a velhinha, olhando por todo o quarto, mas a sua vista não era muito boa; portanto, quando ela viu o patinho ela pensou que pudesse ser um pata gorda, que havia fugido de casa. "Oh, que recompensa!" ela exclamou, "Espero que não seja um pato, pois gostaria de comer alguns ovos de pata. Vamos esperar para ver."
Então, o patinho teve permissão para ficar a título de experiência por três semanas, mas não havia ovos. Agora o gato era o dono da casa, e a galinha era a dona, e eles costumavam dizer, "Nós e o mundo," pois eles acreditavam que eles eram metade do mundo, e também a melhor metade. O patinho achava que os outros poderiam ter uma opinião diferente sobre o assunto, mas a galinha não permitia que alguém fizesse esse tipo de questionamento.
"Você sabe botar ovos?" perguntou a galinha.
"Não."
"Então, tenha a bondade de ficar calado."
"Você consegue arcar as suas costas, ou ronronar, ou soltar pelos pela casa?" dizia o gato.
"Não."
"Então, você não tem nenhum direito de expressar qualquer opinião quando pessoas sensatas estiverem conversando."
Então, o patinho ficou sentado num canto, sentindo-se desanimado, até que o sol e o ar fresco começaram a entrar pela porta que estava aberta, e então, ele começou a sentir uma vontade muito grande de nadar e brincar na água, finalmente, ele não resistiu e contou tudo para a galinha.
"Que ideia absurda," disse a galinha. "Você não tem outra coisa para fazer, é por isso que você tem essas ideias malucas. Se ao menos você ronronasse ou botasse ovos, isso não aconteceria."
"Mas nadar no lago é uma coisa tão gostosa," disse o patinho, "e é tão refrescante enfiar a cabeça debaixo dágua, enquanto você mergulha até o fundo."
"Gostoso, pode acreditar!" disse a galinha, "você deve estar maluco! Pergunte ao gato, ele é o animal mais inteligente que eu conheço, pergunte se ele gostaria de ir nadar no lago, ou de mergulhar dentro dele, porque eu não vou dar a minha opinião; pergunte à nossa dona, a velhinha que está ali – não há no mundo pessoa mais sensata do que ela. Você acha que ela gosta de nadar, ou de ficar enfiando a cabeça debaixo dágua?"
"Você não está me entendendo," disse o patinho.
"Nós não estamos entendendo você? Quem é que entende você, gostaria de saber? Você se considera mais inteligente do que o gato, ou a velhinha, a nossa dona? Olha que não estou falando de mim mesma. Não fique imaginado tolices, garoto, e agradeça a tua boa sorte por ter sido bem recebido aqui. Você não está num lugar quentinho, e na companhia de criaturas que podem te ensinar alguma coisa? Mas você só gosta de tagarelar, e a sua companhia não é muito agradável. Acredite em mim, estou falando isso apenas para o teu bem. Eu poderia lhe dizer verdades desagradáveis, mas essa é uma prova da minha amizade. Estou te avisando, portanto, bote alguns ovos, e aprenda a ronronar o mais rápido que puder."
"Acho que vou sair para o mundo novamente," disse o patinho.
"Sim, faça isso," disse a galinha.
Então, o patinho saiu da cabana, e logo ele encontrou uma lago onde ele podia nadar e mergulhar, mas era evitado por todos os outros animais, por causa da sua falta de atrativos.
O outono chegou, e as folhas da floresta estavam ficando cor de laranja e douradas. Depois, como o inverno se aproximava, o vento as pegava ao cairem e elas rodopiavam no ar gelado. As nuvens, pesadas por causa do granizo e dos flocos de neve, estavam ficando cada vez mais baixas, e o corvo empoleirado em cima da samambaia, gritava, "Croc, croc." Só de olhar para ele o patinho já ficava tremendo. E tudo isso era uma situação muito desfavorável para o coitadinho.
Uma noite, quando o sol estava se pondo no meio das nuvens radiantes, eis que apareceu um grande bando de lindas aves que saíram de trás da mata. O patinho nunca tinha visto nada parecido antes. Eram alguns gansos, e eles dobravam seus pescoços graciosamente, enquanto exibiam a sua plumagem de estonteante brancura. Eles emitiam um grito singular, a medida que estendiam suas asas maravilhosas e voavam para longe das regiões geladas em busca de locais mais quentes atravessando os mares.
A medida que eles subiam para o céu cada vez mais alto, o patinho feio teve uma sensação estranha quando viu isso. Ele rodopiou na água como um pião, esticou o seu pescoço para observá-los melhor, e soltou um grito tão esquisito que ele mesmo chegou a ficar assustado. Será que ele conseguiria esquecer aquelas aves lindas e felizes; e quando finalmente ele não conseguiu mais avistá-las, ele mergulhava dentro da água, e aflorava de novo à superfície com grande excitação.
Ele não sabia quem eram aquelas aves, nem para onde elas haviam ido, mas ele tinha um sentimento em relação à elas que ele nunca havia tido antes por qualquer outra ave no mundo. Ele não estava com inveja daquelas lindas criaturas, mas ele tinha vontade de ser tão belo como elas eram. Pobre criatura desprovida de beleza, como ele seria feliz se pudesse viver mesmo por entre os patos se eles o tivessem incentivado.
O inverno ficava cada vez mais frio; e ele era obrigado a ficar brincando na água para que ela não congelasse, mas a cada noite o espaço que ele costumava nadar ficava cada vez menor. Finalmente a água ficou tão dura por causa do congelamento, que o gelo na água rangia quando ele se movia, e o patinho tinha de remar com suas pernas o melhor que podia, para impedir que o espaço se fechasse. Até que ele ficou muito cansado, parou e sentiu-se desprotegido, pois a água congelava rapidamente.
De manhã bem cedo, um camponês, que estava passando por ali, viu o que estava acontecendo. Ele quebrou o gelo em pedaços com seu tamanco de madeira, e levou o patinho para casa para junto de sua esposa. E o calor ressuscitou a pobre criaturina.
Mas quando as crianças quiseram brincar com ele, o patinho achou que eles poderiam machucá-lo; então, ele ficou apavorado, e pulou agitado dentro da vasilha de leite, espirrando leite pela cozinha. Então, a mulher começou a bater com as mãos, assustando-o ainda mais. Primeiro ele vou em cima do pote de manteiga, depois subiu no barril de cereais, e saiu novamente. Que encrenca ele havia se metido! A mulher gritava, e batia nele com a pinça de pegar brasas; as crianças riam e gritavam, e caíam uma em cima da outra, na correria para pegar o pato; mas por sorte ele escapou. A porta estava aberta; e o coitado do bichinho conseguiu escapar para o meio do mato, e morto de cansaço ficou deitado no meio da neve que estava caindo.
Mas seria muito triste, se eu tivesse que contar todo o sofrimento e privação que o pobre patinho feio teve de suportar durante o impiedoso inverno; mas quando o frio foi embora, ele voltava a ficar no pântano, brincando por entre os juncos. Ele sentiu que o sol quente brilhava, e ouviu a cotovia cantando, e viu então, que tudo ao redor era uma linda primavera.
Então, o pobre patinho percebeu que suas asas estavam fortes, porque ele ficava adejando suas asas o tempo todo, até que subiu para bem alto no céu. Elas o levaram para longe, até que ele se viu num imenso jardim, antes que ele percebesse como tudo aquilo tinha acontecido. As macieiras estavam em plena floração, e os aromáticos sabugueiros derramavam sobre o riacho suas longas folhagens verdes que dividiam em dois um gramado plano e todo verde. Tudo parecia maravilhoso, no frescor do início da primavera. De um matagal nas imediações surgiram três lindos cisnes brancos, farfalhando suas asas, e nadando graciosamente sobre as águas tranquilas. O patinho então, se lembrou daquelas aves maravilhosas, e estranhamente se sentiu mais infeliz do que antes.
"Quero voar junto com aqueles pássaros reais," exclamou ele, "mas eles vão me matar, porque eu sou feio e me atrevo a me aproximar deles; mas não tem importância: é melhor ser morto por eles do que ser bicado por patos, derrubado por galinhas, ou empurrado pela menina que dá comida para as aves, ou até mesmo morrer de fome durante o inverno." Então, ele voou em direção à água, e nadou para onde estavam os belos cisnes. No momento que eles avistaram o forasteiro, de asas abertas correram para encontrá-lo com movimentos assustadores. "Mate-me," disse o patinho; e ele curvou a sua cabeça para a superfície da água, e já estava esperando para morrer. Mas o que ele viu nas águas cristalinas do lago? A sua própria imagem; não era mais uma ave com penas escuras e cinzentas, com aparência feia e desagradável, mas havia se tornado um lindo e gracioso cisne.
Ter nascido no ninho de um pato, dentro de um cercado para aves, não tinha nenhuma importância para uma ave, desde que ele tivesse sido chocado de um ovo de cisne.
Ele agora se sentia feliz por ter passado tanta tristeza e dificuldades, porque ele havia se fortalecido para desfrutar ainda mais todos os prazeres e as alegrias que estavam ao seu redor; pois os grandes cisnes nadaram para perto do recé-chegado, e com seus bicos faziam carinho em seu pescoço, dando-lhe as boas vindas.
No jardim, na verdade, havia algumas crianças que atiravam sobras de pão e bolo na água.
"Vejam," gritava a menor delas, "ali tem mais um cisne;" e todos os outros ficavam encantados, e corriam para seus pais e suas mães, dançando e batendo palmas, e gritando de alegria, "Lá vem vindo outro cisne; e apareceu mais um." Então, jogavam mais pão e bolo na água para eles, e diziam, "O mais jovem é o mais lindo de todos; ele é tão novinho e bonito." E os cisnes velhos inclinavam suas cabeças diante dele.
Então, ele ficou todo envergonhado, e escondia a cabeça debaixo de suas asas; pois ele não sabia o que fazer, ele estava tão feliz, mas não era orgulhoso de jeito nenhum. Ele tinha sido perseguido e menosprezado por causa da sua feiúra, e agora ele ouvia eles dizendo que ele era a mais bela de todas as aves.
Até mesmo os pés de sabugueiros faziam reverência para dentro da água quando ele aparecia, e o sol estava quente e brilhante. Então, ele farfalhou as suas penas, inclinava seu elegante pescoço, e gritava alegremente, com todas as forças do seu coração, "Jamais sonhei com uma felicidade tão grande como esta, quando eu era apenas um patinho feio."

 Conto de Hans Christian Andersen 


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