O macaco e a onça
Andava
o macaco, como sempre, de implicância com a onça, e a onça com o macaco. Um
belo dia, o felino veio a encontrar o símio trepado em um galho de pau, a tirar
cipós.
-
Que fazes aí, compadre macaco? - perguntou a onça.
-
Ah! então tu não sabes, comadre onça, o que estou fazendo? Trato da minha
salvação...
-
Como?
-
Pois não tens notícias de que Nosso Senhor vai mandar um pé de vento muito
forte e só se salvará quem estiver bem amarrado?
Amedrontada
e por não ter mão com que ela própria se atasse, a onça pediu imediatamente:
-
Então, compadre macaco, amarra-me também para eu não morrer... Tem pena de mim
que não tenho mãos! Amarra-me também pelo amor de Deus!
O
macaco obteve todas as juras e promessas que a comadre não lhe faria nenhum mal
e desceu para atá-la num tôco de pau. À proporção que a ia amarrando, perguntava:
-
Comadre, você pode se mexer?
A
onça fazia esforços para desvencilhar-se, e o macaco atava mais fortemente o
lugar que lhe parecia mais frouxo. Assim pôde conseguir amarrar a comadre, sem
que esta, por mais que quisesse, pudesse fazer o mínimo movimento.
Vendo-a
bem amarrada, o macaco apanhou um cipó bem grosso, deu na onça uma valente
surra e fugiu em seguida.
As
outras onças conseguiram soltar a irmã, e esta jurou a seus deuses vingar-se do
macaco.
Veio
uma seca muito grande e a onça, para pilhar o símio e cevar nele o seu ódio
recolhido, pôs-se de alcatéia num único lugar em que havia água. Todos os
animais iam até ali desalterar-se, sem serem incomodados pelo felino: mas o
macaco, muito atilado e esperto, não foi, adivinhando o que o esperava.
Apertando-lhe
a sede, entretanto, ideou um ardil para ir até à cacimba saciá-la.
Tendo
encontrado um pote de melaço, besuntou todo o seu corpo com ele e, depois,
espojou-se num monte de folhas secas, que se lhe grudaram aos pêlos.
Disfarçado
desse modo, encaminhou-se para o bebedouro; a onça desconfiou daquele animal,
mas não saiu da tocaia, limitando-se a perguntar:
-
Quem vem lá?
O
macaco com voz simulada, mas segura, respondeu:
-
É o ará.
Ará
é o que nós chamamos ouriço-caixeiro, com o qual a onça não tem implicância
alguma. O suposto ouriço muito calmamente abeirou-se do poço e pôs-se a beber
água a fartar, no que se demorou muito.
Comadre
onça começou a desconfiar de tal bicho, que bebia tanta água, e exclamou
admirada:
-
Que sede!
O
macaco precavidamente afastou-se e, logo que se pôs fora do alcance da terrível
comadre, acudiu escarninho:
-
Admiraste-te! Pois desde que surra te meti, água jamais bebi!
A
vingança da onça foi mais uma vez adiada. Como esta, muitas outras passagens
desta curiosa luta são contadas pelas pessoas do povo e eu tenho ouvido
diversas. Além da que aí vai, possuo escritas mais algumas, que não reproduzo
agora para não me tornar fastidioso.
Histórias
de Macaco de Lima Barreto
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