A rosa de seda
Num fabulário ainda por encontrar será um dia
lida esta fábula:
A uma bordadeira dum país longínquo foi
encomendado pela sua rainha que bordasse, sobre seda ou cetim, entre tolhas,
uma rosa branca. A bordadora, como era muito jovem, foi procurar por toda a
parte aquela rosa branca perfeitíssima, em cuja semelhança bordasse a sua. Mas
sucedia que uma das rosas era menos bela do que lhe convinha, c que outras não
eram brancas como deviam ser. Gastou dias sobre dias, chorosas horas, buscando
a rosa que imitasse com seda, e, como nos países longínquos nunca deixa de
haver pena de morte, ela sabia bem que, pelas leis dos tontos como este, não
podiam deixar de a matar, se ela não bordasse a rosa branca.
Por fim, não havendo melhor remédio, bordou de
memória a rosa que lhe haviam exigido. Depois de a bordar foi compará-la com as
rosas brancas que existem realmente nas roseiras. Sucedeu que todas as rosas se
pareciam exactamente com a rosa que ela bordara, que cada uma delas era
exactamente aquela,
Ela levou o trabalho ao palácio e é de supor
que casasse com o príncipe.
No fabulário, de onde vem, esta fábula não traz
moralidade. Mesmo porque, na idade de ouro, as fábulas não tinham moralidade
nenhuma.
Fernando Pessoa,
in O Jornal, Lisboa, n.° 1, 04-04-1915
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