domingo

Conto do João Jogador, Conto de Timor-Leste


Conto do João Jogador

Conto de Timor-Leste

Uma mulher e um homem tiveram um filho. Quando ele nasceu puseram-lhe o nome de João. Desde o tempo em que era pequeno até crescer, só queria jogar cartas.
Deixou então a casa dos pais para viajar, procurando quem quisesse jogar cartas com ele. Todos lhe chamavam João Jogador. Depois de ter ganho a todos dentro do seu reino, foi de reino em reino, sempre a jogar cartas. No jogo de cartas, ninguém lhe ganhava. Vivia como um rei.
Era muito vaidoso por causa disto. Um dia foi para terra estrangeira. Lá falou pomposamente de si mesmo, “Deixem saber que se um homem aparecer aqui para jogar eu não lhe viro as costas, deixem saber!” Assim que ele acabou de dizer estas palavras, apareceu à sua frente um gigante. O gigante disse-lhe “Amigo! Estás a desafiar-me? Eu aceito.”João disse-lhe “É o que desejo realmente.”
Os dois começaram a jogar. No início, o gigante começou a perder. Apostou as posses da sua casa, como ouro e prata, assim como todas as outras coisas, e tudo João ganhou. A seguir, apostou todas as outras posses e cavalos, os seus búfalos e porcos; João ganhou tudo. Depois o Gigante apostou a sua mulher, os seus filhos, os seus criados; João ganhou todos. Não havendo mais nada para apostar, o Gigante apostou um dos seus braços, depois o outro braço e perna e finalmente todo o corpo. Tudo João ganhou. Só lhe faltava a cabeça. Depois de pensar, o Gigante resolveu apostar a cabeça.
Então o Gigante começou a ganhar. Primeiro o Gigante recuperou o seu corpo. Depois ganhou de volta a sua mulher, os seus filhos, os criados de sua casa. Ganhou sucessivamente a João, até ele começar a perder tudo o que tinha ganho nos outros reinos. Não havendo mais nada a apostar João apostou então o seu corpo, que o Gigante também ganhou.
Depois disto, o Gigante disse a João “Amigo, agora és meu! Por isso, dentro de setes dias deves chegar a uma porta de ferro no meio das altas montanhas! Se não voltares eu mesmo irei à tua procura!” Dito isto o Gigante desapareceu.
João não sabia bem onde ficava esta terra. Depois de ter pensado, foi perguntar às pessoas. Talvez alguém soubesse onde era a terra da Alta Montanha e da Porta de Aço, mas ninguém sabia. Pensou “Talvez o Gigante me faça mal, porque está quase na altura dele aparecer.”
De manhã saiu outra vez. Decidiu perguntar aos animais. Talvez algum soubesse desta terra. Os animais responderam que não sabiam onde ficava esta terra. Enquanto falava com os animais levantou os olhos para o céu e viu uma águia voar na sua direcção. João perguntou-lhe “ Hoy! Amiga águia, sabes onde fica a Montanha Grande e a Porta de Aço?”
A águia respondeu “ Sim sei! Vim agora mesmo de lá!”
João ficou radiante. Perguntou à águia se o podia levar até lá. A águia disse que sim, mas essa terra era muito distante, levaria três dias e três noites a lá chegar, por isso, seria necessário levar provisões. João perguntou-lhe quais eram as provisões necessárias, ao que a águia respondeu “ Um barril de água e um barril de carne. Avisas quando estiver tudo pronto e partiremos imediatamente.”
A águia disse-lhe, “ Bem, podemos ir já. Carregas as provisões e pões tudo em cima de mim e depois sobes. Partiram. Já no ar, a águia disse-lhe “ quando eu te disser fome tu serves-me água e quando eu te disser sede tu partes-me um pedaço de carne.”
Voaram tempos e tempos seguidos. De repente a águia exclamou “Estou com fome” e João retirou um pouco de água que deu à águia. Pouco tempo depois a águia disse “Estou com sede” e João cortou carne e deu-lha. Viajaram constantemente durante três dias e três noites. Ainda havia um pouco de água, mas já não havia carne. A águia sentiu que ele estava muito cansado então disse-lhe “Estou com sede”. João viu que não havia mais carne então cortou com uma faca uma porção da sua perna e deu à águia. Quando viu a carne a águia perguntou a João “ Que tipo de carne é esta com este sangue?”
João respondeu “ É a minha perna, porque já acabou a carne”.
A águia respondeu “Não posso comer da tua perna. Prefiro não comer nada. De qualquer forma ainda temos água suficiente para chegar ao nosso destino” Pouco depois chegaram à Alta Montanha e Porta de Aço. A águia levou João directamente para casa do gigante no meio de uma montanha solitária, uma casa com uma única porta de aço. Ali, João agradeceu muito sinceramente à águia que partiu imediatamente.
Depois da águia ter partido, João encaminhou-se para a porta do Gigante. O próprio Gigante abriu-lhe a porta e disse-lhe “ Amigo, tens sorte! Caso contrário, serias posto entre os meus dentes. Olha! Já estava vestido para te ir procurar. Só faltava calçar os sapatos. Entra para poderes começar a trabalhar amanhã!”
Depois de ter entrado, o gigante mostrou-lhe toda a casa. Por último trouxe-o para um lugar por baixo do quarto da sua filha mais nova. “ Ficas aqui! Amanhã, às sete horas vens para ouvir as ordens.”
O gigante e a sua mulher tinham sete filhas, todas tão más como eles os dois. Só a mais nova tinha bom coração. Chamavam-lhe Bui Iku, mas o seu nome verdadeiro era Flor Branca. Ela tinha muito bom coração e fazia bem a toda a gente, por causa disso lhe deram aquele nome.
Às sete horas João foi ao quarto do gigante para ouvir as ordens que lhe disse “Tenho o desejo de comer mangas maduras. Amanhã as sete horas estás aqui com as mangas senão morres.”
Depois de ouvir isto João partiu imediatamente à procura das mangas. Procurou por todo o lado mas não encontrou nada porque ainda não era a estação delas. Á medida que o dia foi passando João preocupou-se muito e pensou que talvez no dia seguinte o gigante o fosse matar.
Durante a noite chorou e chorou e a filha mais nova ouviu-o chorar. À meia-noite, quando todos estavam deitados, ela veio ao quarto dele perguntar porque estava ele a chorar. Então ele contou-lhe o pedido que o pai lhe tinha feito e disse-lhe que durante todo o dia tinha percorrido aquela região à procura das mangas mas que não tinha encontrado nada, porque não era a estação delas. “ Talvez amanhã o teu pai me coma mesmo” Depois disto chorou com tanta força que Bui Iku começou também a chorar.
Depois disse-lhe “não tenhas medo. Agarra esta semente de manga e planta-a no chão. Depois os dois olharam juntos a semente que ele tinha plantado no chão e esperaram. Depressa uma árvore saiu do chão dando flor, e depois deu fruto. Eles continuaram a observar a árvore. Os frutos cresceram muito até amadurecerem e cairem no chão. Depois a rapariga mandou-o apanhar a fruta e dirigiu-se para o seu quarto, mas antes avisou-o “ Não contes nada a ninguém, isto fica entre os dois”.
Às sete horas João dirigiu-se aio quarto do gigante. O gigante veio abrir-lhe a porta e disse-lhe “Tens sorte João! Já não vais ser posto entre os meus dentes! Basta! Podes ir. Dentro de momentos vens cá para receber outra ordem. ”Ao meio-dia o Gigante chamou-o e disse-lhe “A minha mulher perdeu o seu anel de ouro no pântano perto da montanha. Deves ir procurá-lo e amanhã às sete horas trazes cá o anel, caso contrário, morres.”
João sabia que este pântano era muito grande e estava cheio de crocodilos. Ainda assim tentou lá ir, no entanto os crocodilos, muito ferozes não o deixaram aproximar e tentaram morder-lhe. João ao fim do dia voltou para o seu quarto e chorou baixinho, durante muito tempo. A meio da noite Bui Iku veio ao seu quarto e perguntou-lhe “João porque choras?” João então contou-lhe o que o gigante lhe tinha pedido e como tinha em vão tentado recuperar o anel, pois os crocodilos nem sequer o tinham deixado entrar na água. Bui Iku disse-lhe “ Não tenhas medo. Agarra o meu anel e põe-no no teu dedo, depois volta ao pântano e se algum crocodilo te quiser fazer mal mostra-lhe o meu anel. João voltou ao pântano e quando os crocodilos se dirigiram a ele, mostrou-lhes o anel fazendo com que todos se escondessem imediatamente nos seus ninhos. Entrou dentro do pântano e não demorou muito a encontrar o anel perdido.
Às sete horas em ponto dirigiu-se ao quarto do Gigante que quando viu o anel ficou muito admirado. “A tua boa sorte persegue-te, senão comia-te. Voltas cá mais tarde para receber outra ordem”. Ao meio-dia, o Gigante chamou-o e mostrando-lhe um cavalo selvagem disse-lhe “Amanhã às sete horas montas este cavalo e tens que o domar”. João achou que seria bastante difícil pois nunca tinha domado um cavalo selvagem. Foi para o quarto pensar como deveria fazer. A meio da noite, enquanto estava absorto nos seus pensamentos, Bui Iku veio ao seu encontro. Perguntou-lhe o que o preocupava, ao que ele respondeu “Até hoje nunca domei um cavalo, e não sei como fazê-lo”. A rapariga respondeu “João ouve-me, os meus pais sabem que eu sou responsável por tudo o que fizeste até agora, então pediram-te para domares o cavalo de forma a encontrares a morte. Mas não te preocupes. O cavalo é feito de nove de nós. O meu pai será a cabeça do cavalo, a minha mãe será o pescoço do cavalo, as minhas irmãs serão os lados do cavalo, e eu serei a cauda do cavalo. Assim, quando conduzires este cavalo deves-lhe dar muitas pancadas na cabeça, no pescoço, nas costas, em todo o cavalo. Dá-lhe uma verdadeira sova. Deves lembrar-te, não toques na cauda do cavalo. Faz como te digo e no fim veremos!”
Então de manhã cedo João foi montar o cavalo. Levou consigo uma cana e uma pequena faca. O cavalo fez tudo para o deitar abaixo, no entanto, João aguentou-se e bateu no cavalo com a cana e bateu ainda mais. Espetou a faca várias vezes na cabeça do cavalo e nas outras partes. Lutou muito até suor preto sair do cavalo. Quando viu isto parou, porque o cavalo não conseguia andar mais. Vendo o cavalo neste estado, João desmontou-o e foi para o seu quarto. Durante a noite Bui Iku veio ao seu quarto e disse-lhe “Estão todos muito doentes em minha casa. Esta é a melhor altura para fugir. Vai ao estábulo e traz de lá um cavalo. O cavalo que deves trazer é um cavalo magro que se chama Pensamento. Não tragas o mais gordo que se chama Vento. Não te demores! Vai depressa!”
Mas quando João chegou ao estábulo viu que o cavalo Pensamento era mesmo muito magro e pensou que não aguentasse com os dois. Então trouxe o cavalo mais gordo. Quando Bui Iku o viu disse-lhe muito assustada “ Não é este, o outro é mais rápido”, mas João respondeu-lhe que achava que o outro cavalo não aguentaria com os dois, por isso tinha trazido aquele. Bui Iku disse-lhe “ Não importa. Vamos já porque está quase a nascer o sol”. Antes de sairem, ambos puseram saliva dentro de uma casca de coco e puseram-no dentro do quarto de Bui Iku.. Depois partiram. Entretanto, o gigante chamou por Bui Iku. A saliva respondeu “Estou aqui! Estou aqui!”. Depois chamou por João e também a sua saliva respondeu “Estou aqui! Estou aqui!”. Assim continuou até ao amanhecer, até que a saliva secou. O gigante então chamou novamente. Como se ninguém respondesse a mulher do gigante cheia de medo disse-lhe “Eles fugiram”.
O gigante mandou espreitar nos quartos que estavam vazios.
Furioso, o gigante foi a procura deles. Montou o seu cavalo Pensamento. Ele só tinha uma coisa no pensamento, apanhá-los. Bui Iku e João, de repente, sentiram um vento muito forte e Bui Iku disse-lhe “Temos que nos esconder, porque o meu pai vem aí.” Então Bui Iku fez o cavalo mudar de direcção e transformar-se num jardim. Transformou-se em vegetal e João pôs-se a regar o vegetal.
Quando o gigante chegou, entrou no jardim e perguntou a João, sem o reconhecer, se ele tinha visto um homem e uma mulher passar, montados num cavalo, por ali. João, fazendo de conta que não percebeu, respondeu-lhe que o seu vegetal era muito pequeno e não lhe poderia vender. Achando que o homem tinha percebido mal, interrogou-o outra vez. Obteve a mesma resposta. Perguntou ainda uma terceira vez e a resposta foi a mesma. Então o gigante voltou para casa.
Quando chegou a casa a mulher perguntou-lhe se tinha encontrado a filha e João. Ele disse que não. A única coisa que encontrei foi um senhor Ninguém, um vegetal e um jardim. Percebendo o que tinha acontecido, a mulher explicou-lhe que o jardim era o cavalo, o vegetal era a rapariga e o homem era João. Convenceu-o então a voltar a sair, pois deveria encontra-los na estrada, a fugir.
Então o gigante voltou à estrada e eles sentiram o vento regressar novamente. “Rápido temos que nos esconder” disse a rapariga. Bui Iku transformou o seu cavalo num tronco de palmeira . Ela transformou-se em ira e João começou a escavar no tronco.
Entretanto o gigante chegou e perguntou-lhe “ Hoy! Amigo! Viste um homem e uma mulher a cavalo passar por aqui? João respondeu “Não te posso vender sumo da palmeira porque só tenho um pouco.” Então o gigante perguntou-lhe outra vez a mesma coisa pensando que o homem não tinha percebido. Perguntou-lhe várias vezes até João enfurecido lhe responder que não lhe podia vender sumo de palmeira, por isso que se fosse embora!
Quando chegou a casa a mulher perguntou-lhe se tinha encontrado a filha e João. Ele disse que não, que só tinha encontrado um homem a raspar a casca de uma palmeira e contou-lhe o estranho episódio, dizendo-lhe que o homem pareceu muito zangado. Mais uma vez a mulher percebeu tudo e, explicando ao gigante, convenceu-o a voltar a procurá-los.
Bui Iku e João continuavam a viajar e entraram nos limites de uma terra cristã.
Bui Iku novamente sentiu o vento a soprar. Desta vez ela transformou o cavalo numa capela, transformou-se em sino e João no homem que toma conta da capela. De repente o gigante apareceu. Viu João e perguntou-lhe: “Hoy! Amigo! Talvez tenha visto uma mulher e um homem montados num cavalo a passar?” João respondeu “ Quer aceitar o cristianismo?” O gigante tornou “ Não amigo! Só lhe perguntei se viu passar por aqui uma mulher e um homem a cavalo?” João disse “Quer confessar-se?” E o gigante “Não!! Só perguntei se por acaso viu um homem e uma mulher a cavalo??!!” Então João respondeu “Você continua a querer perguntar, porque espera aqui?” Então João tocou o sino e as pessoas duma aldeia começaram a juntar-se à frente da Igreja. Vendo tanta gente, o gigante resolveu voltar a casa.
Mais uma vez, contou à mulher o que se tinha passado e mais uma vez ela lhe explicou quem eram na verdade o homem, o sino e a igreja. Mais uma vez o convenceu a voltar a procurar a filha e João. “ Mas desta vez irei contigo!!” disse a mulher.
Ditas estas palavras partiram. E João Jogador e Bui Iku que tinham regressado à sua viagem sentiram o vento levantar-se de novo, mas desta vez acompanhado por chuva. “Talvez desta vez a minha mãe também venha com meu pai. Acho que é isso que esta chuva quer dizer.” E quase ainda não tinha acabado de falar quando viu os pais aproximarem-se. “Bui Iko! Bui Iko!” gritou a mãe. Então Bui Iko disse a João “Depressa, dá-me a minha garrafa de água. A que carregamos connosco para beber.” João agarrou na garrafa e deu-lha. Ela abriu-a e começou a despejá-la no chão. De repente, a água começou a engrossar de caudal até se tornar numa ribeira cujas águas começaram a empurrar tudo com violência. O gigante e a sua mulher foram arrastados pelas águas para o mar e quando morreram, o vento parou e também parou a chuva.
Bui Iko e João continuaram a sua viagem até chegarem a uma grande cidade, nessa terra cristã, onde se estabeleceram. Rapidamente, se casaram, e trabalharam para o melhoramento de todos. Cedo, todos perceberam que eles eram boas pessoas.
Passado algum tempo, o rei daquela terra morreu, e como não tinha filhos, os homens sábios reuniram e tornaram o casal nos governantes do reino. Todos ficaram muito felizes com isto e celebraram convidando os reis dos reinos vizinhos para a festa que durou sete dias e sete noites. Muitos búfalos foram mortos durante as celebrações e quando estas acabaram Bui Iko e João Jogador começaram a governar o reino.
Todos ficaram felizes.
  

Conto de Timor-Leste

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