Sorte para o pintassilgo
Era uma
vez um velho lenhador. Andara a vida inteira a percorrer a floresta e, agora
que as forças já lhe faltavam para empunhar o machado, passava os dias,
tristemente, à porta do seu casebre.
Entre as
lembranças mais antigas que lhe preenchiam a memória, recordava-se de uma
história que o tinha encantado, na infância. Nela se contava que havia, na
floresta, anõezinhos tão pequenos que nem um palmo mediriam. Os anões ou
gnomos, tanto faz, guardavam, num esconderijo, pedras de ouro puro, acumuladas,
ao longo de séculos pelo trabalho incansável de várias gerações de mineiros
anõezinhos.
O
lenhador, que conhecia a floresta de lés a lés, nunca vira um gnomo nem, a bem
dizer, acreditava que a história correspondesse à verdade.
-
Invenções para entreter meninos. E velhos... - dizia ele de si para si, com um
sorriso desencantado.
Mas não
é que, um dia, descobriu mesmo um gnomo?
Um gnomo
a dormir, de boca aberta, junto à raiz de um pinheiro da floresta, era uma
descoberta fantástica.
O
lenhador agarrou-o pela cintura como quem agarra um gafanhoto e gritou-lhe:
-
Afinal, sempre é verdade. Agora, só falta saber o segredo do tesouro dos
gnomos...
O
homenzinho, preso entre o polegar e o indicador do homenzarrão, debatia-se e
protestava que nunca tinha ouvido falar em tal tesouro.
- Se não
me dizes, onde o esconderam, aperto-te a barriga, que nem tempo tens para dizer
?Chega" - ameaçou o lenhador.
E era
bem capaz... A possibilidade imprevista de vir a ficar rico, riquíssimo, quase
o enlouquecia.
- Diz-me
onde está o tesouro ou esborracho-te - insistiu o lenhador.
O gnomo,
não tendo outra alternativa, acabou por apontar uma árvore, confessando que,
debaixo da raiz da árvore, numa loca, estava, agasalhado entre musgos, o maior
tesouro do mundo.
- Já
vamos saber se é como contas - disse o lenhador.
Mas
entardecia. Era Inverno, estação do ano em que, como se sabe, a noite cai cedo
e depressa. O lenhador, contrariado por ter de guardar para o dia seguinte o
que queria resolver naquele dia, fez uma cruz a canivete, no tronco da árvore
indicada, e disse:
- Amanhã
voltamos cá e, pelo seguro, tu hoje à noite vais ficar hospedado em minha casa.
Maneira
de dizer... Hospedado no casebre, isto é, prisioneiro na gaiola, donde despejou
um pintassilgo. Sorte para o pintassilgo.
O
lenhador, nessa noite, dormiu mal. Quanto ao gnomo, nunca saberemos se dormiu
bem ou não, visto que, na manhã seguinte, o lenhador deu com a gaiola vazia.
- Mas o
tesouro há-de estar onde ele apontou - animou-se o lenhador.
De
enxadão ao ombro, avançou para a floresta.
- Cá
está a árvore que eu marquei - exclamou.
Efectivamente,
a árvore tinha uma cruz, no tronco, riscada a canivete. Mas outras árvores
perto e outras longe tinham uma cruz igual. Não havia uma única árvore da
imensa floresta que não exibisse uma cruz, em cheio, no dorso do tronco.
Os
gnomos, pela calada da noite, tinham trabalhado bem.
O
lenhador, a sentir-se ainda mais velho e ainda mais cansado, deixou o enxadão
encostado a uma das árvores, e voltou para casa, de cabeça baixa. Nada ganhara
e até o pintassilgo da gaiola ele tinha perdido...
António
Torrado
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