Viva o Natério
Lá na
aldeia todos sabiam que ele era ladrão, mas tinham-lhe medo.
Diziam
que ele assaltava viajantes, noite alta. Também contavam de assaltos a casas
dos povoados próximos, estivessem lá moradores ou não. E era cruel, rancoroso,
arrebatado, perverso. Um tojo, um cardo de malvadez.
A gente
pacífica da aldeia não descortinava maneira de ver-se livre do malfeitor. No
tempo em que esta história aconteceu, não havia polícia senão nas cidades
maiores. Os caminhos para lá chegar eram demorados e pouco seguros.
Por
isso, sem autoridades que lhes valessem, os aldeãos viviam em perpétuo terror.
Até que,
um dia, o Natério, um dez-réis de gente, mas muito vivaço e destemido, resolveu
dar a volta à história. Naquele estado de pavor geral é que as coisas não
podiam continuar.
Antes de
o ladrão ir ter à casa onde se acoitava, costumava passar por perto de um poço
da aldeia. Quando lhe adivinhavam a sombra, as mulheres que vinham buscar água
fugiam e até bilhas e celhas deixavam na borda.
Desta
vez, o malfeitor encontrou um rapaz, que chorava baba e ranho, à beira do poço.
Era o Natério.
Não que
se impressionasse com as lágrimas, mas por curiosidade, o ladrão perguntou qual
a razão da choradeira.
- Trazia
uma pesada taça de prata, que a minha mãe tinha areado, a mando do senhor
padre...
- Era
pesada a taça, disseste tu? - interessou-se o maganão, de olhos a luzir.
O rapaz
fez que sim e continuou o seu relato:
-
Debrucei-me para o poço, à caça de uma lagartixa, e a taça caiu-me lá dentro.
Uma desgraça! O que é que eu vou dizer à minha mãe? E ao senhor prior?
Como se
temesse as respostas, o rapaz voltou ao berreiro.
- Deixa
estar que eles escusam de saber - disse o ladrão, escarranchado no bordo do
poço. - Eu trago-te a taça, não tarda.
Enfiou
pelo poço abaixo, que era fundo e estava menos de meio.
- Não
encontro a taça - dizia ele.
A voz
ecoava na abóbada do poço. Era assustadora.
-
Procure o senhor do seu lado direito, que ela caiu mais para esse lado.
O
ladrão, que se segurava por uma corda presa à cintura, desceu mais um tanto,
agarrado às paredes do poço. Valente era ele.
- Ainda
não achei - dizia.
- Mas
achámo-lo nós - gritou-lhe de cima o Natério.
Dos
pinhais ao redor romperam mulheres e homens, à chamada do rapaz. Agarraram
todos uma enorme pedra e puseram-na a tapar a boca do poço. O bandido gritou,
mas de nada lhe valeu.
Já
outros da aldeia tinham ido à cidade chamar a guarda. Dias depois, foi removida
a pedra e o ladrão saiu a praguejar da armadilha que lhe tinham pregado.
Chegando ao cimo, calou-se. Tinha guarda de honra à espera, uma fieira de canos
de espingarda apontada para ele.
Os
guardas levaram-no e nunca mais se soube do brutamontes.
O poço
ganhou nome. Passou a ser conhecido pelo poço do Natério. E se, um dia, andarem
por terras monfortinhas, a caminho de Castelo Branco, talvez ainda haja quem saiba
dizer onde fica.
António
Torrado
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