O lavrador Tomé e o saco das libras
O senhor
Tomé era um lavrador abastado.
De uma
vez que foi à feira da vila fazer uns negócios, levou consigo uma bolsa com
libras, com libras bem contadas e recontadas. Como tivesse medo que lhas
roubassem, nos encontrões da feira, deu-as a guardar ao estalajadeiro.
- Vá
descansado que ficam em boas mãos - disse-lhe este.
Quando,
mais tarde, precisou das libras, voltou à estalagem para as levar. Sabem o que
o estalajadeiro lhe respondeu? Respondeu-lhe, fingindo de parvo, que não se
lembrava de ter recebido nenhuma bolsa com libras. Vejam lá o descaramento!
O senhor
Tomé esteve quase para ir chamar um médico que consertasse a pouca memória do
estalajadeiro. Depois, pensando melhor, achou que o caso era mais da conta de
um bom advogado do que da medicina. Consultado o doutor jurista, disse-lhe este
assim:
- Tenha
paciência, meu amigo, mas só vejo uma solução. Manhosos destes tratam-se com a
pele das suas manhas. Portanto, vá ter com o estalajadeiro, fale-lhe com bons
modos e peça-lhe desculpa. Diga-lhe que se esquecera de que as tais cem libras
tinham ficado ao cuidado de outra pessoa de confiança...
- Mas
não ficaram - atalhou o senhor Tomé. - Se ainda agora disse ao senhor doutor
que foi esse malandro que se governou com elas.
-
Deixe-me acabar e não perca a cabeça - aconselhou-lhe o advogado. - Vai ver
que, guiando-se pelos meus planos, o dinheiro há-de voltar-lhe às mãos. Depois
de lhe pedir desculpa pelo engano, volte lá com um amigo, como testemunha, e
entregue outras cem libras ao estalajadeiro.
- Que é
lá isso?! Assim se paga aos ladrões nesta terra? Está o mundo avariado.
O
advogado não se ofendeu e mais miudamente explicou a armadilha que queria armar
ao estalajadeiro desonesto. Ainda que com má vontade, o senhor Tomé resolveu-se
a seguir o conselho.
Procurou
na feira um amigo endinheirado, que lhe emprestasse cem libras e que se
dispusesse a acompanhá-lo à estalagem. Encontrada a testemunha, levou-a
consigo, pedindo-lhe segredo do que se estava a tramar.
-
Desculpe, mas há bocado pensei mal de si - disse o senhor Tomé ao
estalajadeiro. - Foi tudo um engano meu, porque o dinheiro que eu procurava
tinha-o eu deixado noutra parte. Guarde-me agora estas cem libras, que, depois,
lhas peço.
E os
dois, o senhor Tomé e o amigo, despediram-se do estalajadeiro, que ficou de
boca aberta.
- E
agora? - perguntou o senhor Tomé, passado tempo, ao advogado.
- Agora
volte à estalagem e peça só as cem libras.
- Levo o
meu amigo?
- Não,
vá sozinho. Estas não pode ele recusar-lhas, pois havia testemunha para provar
a verdade.
O
lavrador assim fez e o estalajadeiro prontamente lhe entregou as cem libras.
Foi o
lavrador, pulando de contente, a casa do advogado:
- Estas
já cá estão! Só faltam as outras cem.
- Também
virão, descanse - tranquilizou-o o advogado. - Passe por lá agora com o seu
amigo, que as viu depositar.
Não é
preciso dizer que o estalajadeiro se viu apanhado e não teve outro remédio
senão dar as outras cem libras ao lavrador.
António
Torrado
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