A
história da rainha Sherazade
Num distante País vivia um homem bonito e
honrado, esse rei, de nome Shariar, já havia sido muito feliz, sem saber que
sua esposa guardava um terrível segredo: apesar de fingir que o amava, ela na
verdade estava apaixonada pelo servo mais indigno da corte.
Um dia Shariar casualmente a surpreendeu num
canto escuro do palácio nos braços do amante. Transtornado pela dor e pelo
espanto, o soberano soltou um grito medonho e sacou da espada para cortar a
cabeça da mulher infiel e do servo desleal.
Pouco tempo mais tarde um cavalo parou na
frente do palácio, e o irmão do rei, Shazaman, entrou para visitá-lo.
“Mas é inacreditável!” Shazaman exclamou. “
Pois pouco antes de partir a mesma coisa aconteceu comigo! Encontrei minha
esposa beijando um de meus servos e, como você, também puxei a espada e cortei
a cabeça dos pérfidos.”
Dias depois Shazaman voltou para seu reino, e
Shariar ficou postado junto à fonte, contemplando as águas límpidas com um
olhar pensativo. Por fim fez um juramento terrível: “Amanhã à noite vou me
casar de novo, mas não permitirei que minha mulher desfrute os privilégios de
rainha. Pois, quando o dia clarear, mandarei executá-la. Na noite seguinte
tomarei outra esposa e ao amanhecer ordenarei que a eliminem. E assim hei de
fazer sucessivamente até que não sobre neste reino uma única representante do
género feminino”.
Dito e feito. Toda a noite ele escolhia uma
nova esposa e toda manhã mandava a infeliz para a morte. Seus súbditos viviam
apavorados, temendo perder filhas, irmãs, netas. Muitos fugiram para outros
reinos, e por fim restou nos domínios de Shariar uma só noiva disponível.
Tratava-se de Sherazade, jovem de alta estirpe, filha do primeiro-ministro do
soberano. O pobre homem se encheu de pavor e tristeza ao saber que ela estava
condenada à morte. Sherazade, no entanto, não se desesperou. Era mais sábia e
esperta que todas as suas predecessoras, e junto com a irmã caçula elaborou um
plano meticuloso.
Terminada a breve cerimônia nupcial, o rei
conduziu a esposa a seus aposentos, mas, antes de trancar a porta, ouviu uma
ruidosa choradeira. “Oh, Majestade, deve ser minha irmãzinha, Duniazade”,
explicou a noiva. “Ela está chorando porque quer que eu lhe conte uma história,
como faço todas as noites. Já que amanhã estarei morta, peço-lhe, por favor,
que a deixe entrar para que eu a entretenha pela última vez!”
Sem esperar resposta, a jovem abriu a porta,
levou a irmã para dentro, instalou-a no tapete e começou: “Era uma vez um
mágico muito malvado...”. Furioso, Shariar se esforçou ao máximo para impedir a
narrativa; resmungou, bufou, tossiu, porém as duas irmãs o ignoraram. Vendo que
de nada adiantava sua estratégia, ele ficou quieto e se pôs a ouvir o relato de
Sherazade, meio distraído no início, profundamente interessado após alguns
instantes.
A pequena Duniazade adormeceu, embalada pela
voz suave da rainha. O soberano permaneceu atento, visualizando mentalmente as
cenas de aventura e romance descritas pela esposa. De repente, no momento mais
empolgante, Sherazade silenciou.
“Continue!”, Shariar ordenou.
“Mas o dia está amanhecendo, Majestade! Já ouço
o carrasco afiar a espada!”
“Ele que espere”, declarou o rei.
Shariar se deitou e logo dormiu profundamente.
Despertou ao anoitecer e ordenou à esposa que concluísse o relato, mas não se
deu por satisfeito. “Conte-me outra!”, exclamou.
Sherazade sorriu e recomeçou: “Era uma vez...”.
Novamente o sol adiou a execução. Quando
Sherazade terminou, ela a mandou contar mais uma história. E assim a jovem
rainha: conseguia postergar a própria morte. De dia o rei dormia
tranqüilamente, à noite, acordava sempre ansioso para ouvir o final da narrativa
interrompida e acompanhar as peripécias de mais um herói ou heroína. Já não
conseguia conceber a vida sem os contos de Sherazade, sem as palavras que lhe
jorravam da boca como a música mais encantadora do mundo. Dessa forma se
passaram dias, semanas, meses, anos. E coisas estranhas aconteceram. Sherazade
engordou e de repente recuperou seu corpo esguio. Por duas vezes ela
desapareceu durante várias noites e retornou sem dar explicação, e o rei
tampouco lhe perguntou nada.
Certa manhã ela terminou uma história ao surgir
do sol e falou: “Agora não tenho mais nada para lhe contar. Você percebeu que
estamos casados há exatamente mil e uma noites?”
Um ruído lhe chamou a atenção e, após uma breve
pausa, ela prosseguiu; “Estão batendo na porta! Deve ser o carrasco. Finalmente
você pode me mandar para a morte!”.
Quem entrou nos aposentos reais foi, porém,
Duniazade, que ao longo daqueles anos se transformara numa linda jovem. Trazia
dois gémeos nos braços, e um bebê a acompanhava, engatinhando.
“Meu amado esposo, antes de ordenar minha
execução, você precisa conhecer meus filhos”, disse Sherazade. “Aliás, nossos
filhos. Pois desde que nos casamos eu lhe dei três varões, mas você estava tão
encantado com as minhas histórias que nem percebeu nada...”
Só então Shariar constatou que sua amargura
desaparecera. Olhando para as crianças, sentiu o amor lhe inundar o coração
como um raio de luz. Contemplando a esposa, descobriu que jamais poderia
matá-la, pois não conseguiria viver sem ela. Assim, escreveu a seu irmão e lhe
propondo que se casasse com Duniazade. O casamento se realizou numa dupla
cerimónia, pois Shariar esposou Sherazade pela segunda vez, e os dois reis
reinaram felizes até o fim de seus dias.
KERVEN, Rosalind
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