Os entusiasmos do Evaristo
O meu
amigo Evaristo é um entusiasta. No outro dia, íamos nós a passar por perto de
uma feira dessas de altifalantes, tirinhos e carrosséis de cavalinhos - é mais
uma corrida! é mais uma viagem! - quando ele me travou por um braço e
perguntou, de olhos a brilhar de entusiasmo:
- Já te
contei do meu projecto do carrossel gigante?
Desse
não me lembrava. O Evaristo tem sempre tantos projectos no ar...
- Estou
na fase dos cálculos e dos desenhos, mas não tarda que passe à prática. Vai ser
um carrossel fantástico.
-
Imagino - disse-lhe eu, só para dizer qualquer coisa.
- Tu
conheces aqueles carrosséis maiores, que dão uma volta em oito? - perguntou-me
o Evaristo.
Respondi-lhe
que tinha uma ideia. Faz tantos anos que não ando de carrossel...
- Pois o
meu carrossel vai ser qualquer do género. Oito vezes oito...
-
Sessenta e quatro - respondi-lhe, como se estivesse na escola.
- Mais,
muito mais! Oito vezes oito, vezes oito, vezes oito...
- Tantas
contas de cabeça não consigo acompanhar - queixei-me eu.
- Quero
eu dizer que vai ser um carrossel imenso, coisa nunca vista - disse o Evaristo.
- Mas primeiro tenho de comprar um sobretudo.
Um
sobretudo? Que relação teria o sobretudo com o carrossel gigante? O meu amigo
Evaristo imagina a uma tal velocidade, que me deixa sempre pelo caminho.
- Um
sobretudo forrado e um gorro de pele - acrescentou ele. - Para ir ao Pólo
Norte. Ou ao Pólo Sul. Tanto faz.
Fiquei
abismado. Aquele carrossel estava a dar-lhe a volta à cabeça.
-
Percebeste onde quero chegar? Ao eixo da Terra. Fixo o meu carrossel ao eixo da
Terra, à roda do qual gira o nosso planeta, e nem preciso de imprimir-lhe
velocidade. A Terra roda, o carrossel mantém-se parado, mas esta é que é a
parte mais importante da minha invenção: os passageiros do meu carrossel têm a
ilusão de que são eles que estão a andar. Percebeste?
Eu
estava a perceber. Lindamente.
- É,
além do mais, uma ideia muito económica, porque se poupa na electricidade, que
faz andar os restantes carrosséis. O meu carrossel, preso ao eixo da Terra,
suspenso lá em cima, vê a Terra rodar por baixo. O que é que achas?
Eu
achava bem. O projecto tinha lógica. E parecia simples...
- Ponho
as pessoas a dar a volta ao mundo de carrossel. Vai ser maravilhoso.
Eu não
duvidava. E do que valeria a pena duvidar de uma ideia do Evaristo?
Voltei a
encontrá-lo, ontem. Claro que lhe perguntei logo pelo carrossel, se já estava
mais avançado o projecto, se já tinha comprado o sobretudo...
-
Troquei a ideia do carrossel por outra melhor - disse-me o Evaristo, muito
entusiasmado. - É uma roda gigante.
- Como
aquela, com barquinhas penduradas, que há na Feira Popular? - quis eu saber.
- Essa é
uma miniatura comparada com a minha roda, que estou a calcular, aqui entre
nós... - e o Evaristo puxou-me pelo braço e falou-me ao ouvido, com ar de
história secreta.
Tomei
muita atenção ao segredo dele:
- Estou
a calcular que consiga tocar a Lua com a minha roda gigante. Estás a ver:
embarca-se na Terra e, meia volta depois, está-se na Lua. Sem despesa de
foguetões nem nada. Uma limpeza!
Outra
ideia feliz. Mas, sem querer parecer desmancha-prazeres, indaguei:
- E,
desta vez, onde colocas tu o eixo da roda? Em que ponto do espaço, que fique a
meio caminho entre a Terra e a Lua?
- Falta
só resolver esse pormenor, para avançar - tranquilizou-me o Evaristo. - Mas, no
resto, acho que já adiantei muito.
E lá
seguiu, muito entusiasmado com o seu projecto.
António
Torrado
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