Loki e o
construtor do muro
Lendas Nórdicas
Durante muitos anos, os deuses viveram junto
com os mortais até que, um dia,Odin, o maior dos deuses, teve a idéia de
construir Asgard, a sua morada celestial. Era preciso que os deuses tivessem um
local só para si, resguardado dos ataques dos seus terríveis inimigos, os
Gigantes. Nem bem, porém, haviam terminado de construir a cidade, depararam-se
todos com um grande problema: é que, na pressa, esqueceram de construir também
uma sólida muralha para se proteger de um eventual ataque de seus pérfidos
inimigos. Odin e Loki estavam conversando sobre o assunto, tendo ao lado outros
deuses, como Tyr e Heimdall, quando, de repente, viram passar perto um
cavaleiro.
- Uma bela construção a que fizeram...! - disse
ele, admirando a arquitetura da divina cidade. - Mas, onde está o muro que
deveria protegê-lo?
Os deuses, constrangidos, foram obrigados a
confessar que haviam esquecido desta parte.
- Ora, mas isto não é problema! - disse o
forasteiro. - Sou o mais hábil construtor do mundo e posso erguer um belo e
fortificado muro, se assim desejarem.
Um sorriso de satisfação iluminou a barba ruiva
de Odin. Loki, também satisfeito acenou para o homem e lhe disse:
- E quanto tempo levará para terminá-lo?
- Em um ano e meio estará perfeito e acabado.
- Muito bem, pode começá-lo imediatamente! -
disse Loki, aplaudindo o construtor.
- Esperem! - bradou Odin, interrompendo tudo. -
O senhor disse que é o melhor construtor de todo o mundo, não é?
- Sim, honro-me de sê-lo!
- E, o que pede para realizar a sua tarefa? -
quis saber o deus supremo, já imaginando que o hábil construtor não pediria
pouco.
- Quero a mão da bela Idun em casamento - disse
o outro, confirmando as mais negras previsões do maior dos deuses.
Idun era a deusa da juventude e cuidava do
pomar onde brotavam as maçãs a juventude, graças às quais os deuses permaneciam
sempre jovens e saudáveis.
- Ora, desapareça daqui! - disse Tyr, o mais
valente dos deuses, brandindo o seu único punho para o atrevido.
Heimdall, o guardião da ponte Bifrost, que
conduzia a Asgard, como não podia falar,protestou tocando sua cometa tão alto
no ouvido do estrangeiro, que construtor sofreu um sobressalto e precisou de
alguns minutos para recuperar inteiramente a audição. Quanto aos demais deuses,
já iam todos dando as costas, incluindo Odin, quando ouviram Loki dizer ao
atrevido forasteiro:
- Muito bem, se puder construir em seis meses,
o negócio está fechado! Todos os rostos voltaram-se, alarmados, para o
imprevidente deus.
- Imporemos apenas a condição de que realize
sozinho a sua tarefa e no espaço de um único inverno - disse ainda Loki, sem se
importar com as censuras que faiscavam no olhar de seus colegas. Para estes,
entretanto, disse à boca pequena:
- Não se preocupem: em seis meses, ele não terá
construído nem a metade do muro, o que o obrigará a nos entregá-lo de graça!
- Trato feito! - disse o construtor, que
pareceu muito satisfeito com a proposta. No mesmo instante, desceu de seu
cavalo Svadilfair e meteu mãos à obra. Acoplando um trenó à cauda do cavalo,
ele começou a empilhar e a arrastar enormes pedregulhos pela neve com tanta
vontade e determinação, que todos os deuses empalideceram, menos Loki, que
olhava para o homem com um sorriso irônico.
- Não se aflija, bela Idun! - disse ele à
infeliz deusa, que vertia pelos olhos pequeninas lágrimas douradas. - São
fanfarronices do primeiro dia; amanhã, ele á estará exausto e jamais conseguirá
terminar o muro dentro do prazo estipulado!
Mas, no segundo dia, o ritmo não diminuiu; na
verdade, aumentou e, ao fim do primeiro mês, o estrangeiro já havia construído
um bom pedaço, grande o bastante para deixar em pé os cabelos de Odin.
- Loki, seu idiota...! - disse ele, chamando o
responsável pelo iminente desastre. - Se a coisa for neste passo, antes mesmo
dos seis meses, ele terá concluído o maldito muro e perderemos Idun e as maçãs
da juventude! Não lhe passou pela cabeça, cretino, que este construtor pode ser
um gigante disfarçado a tramar a nossa destruição? - indagou Odin a Loki, que
cocava a cabeça, com um ar culpado.
Idun, por sua vez, observava noite e dia, com
desolação, a movimentação do construtor e cada pedra que ele depositava a mais
sobre o muro, era um golpe cavo que soava em seu peito. Seus olhos estavam
sempre postos sobre as costas suadas do infatigável construtor e de seu portentoso
cavalo que arrastava no trenó, sem um minuto de descanso, os grandes
pedregulhos.
O tempo passou e faltavam agora somente cinco
dias para a chegada do verão e um pequeno trecho para que o muro estivesse
concluído.
Odin fez um sinal para que Heimdall fizesse
soar a sua trompa, convocando os deuses para uma reunião de emergência.
- E agora, seu tratante? - disse Odin, tão logo
avistou Loki adentrar o salão. - Já que foi esperto o bastante para nos meter
nesta enrascada, trate de arrumar um jeito de nos tirar dela, caso contrário,
você irá para o sombrio Niflheim, onde sofrerá torturas tão cruéis que nem
mesmo sua filha Hei o reconhecerá!
- Verei o que posso fazer, poderoso Odin -
disse Loki, o qual, se era imprevidente a ponto de se meter a todo instante em
enrascadas, não era menos hábil em se safar destas mesmas situações.
Loki internou-se numa grande floresta e,
naquela mesma noite, enquanto o construtor trabalhava com a ajuda de seu
cavalo, ele retornou de lá transformado numa belíssima égua branca. Postando-se
diante do cavalo do construtor, a égua começou a relinchar melodiosamente
(tanto quanto um eqüino possa ter alguma melodia), o que fez com que Svadilfair
arrebentasse, afinal, os freios que o mantinham preso ao trenó e
seguisse a égua floresta adentro.
- Ei, espere, aonde vai? - gritou o construtor,
espantado.
O cavalo, entretanto, lançara-se numa corrida
tão desenfreada que, por mais que seu dono tentasse alcançá-lo, não pôde
fazê-lo. Depois de descansar um pouco e refletir,porém, o construtor farejou
naquilo o dedo de Loki.
- É claro! - exclamou furioso. - Tão certo
quanto sou um gigante disfarçado de construtor, esta égua não passa do maldito
Loki disfarçado!
O gigante, então, vendo que não conseguiria
terminar o muro sem o auxílio de seu prodigioso cavalo, resolveu reassumir a
sua forma natural para tentar completar a tarefa.
Odin, contudo, que a tudo assistia de seu
trono, exclamou tomado pela ira:
- Tal como eu imaginava: o tal construtor não
passa, na verdade, de um maldito gigante!... Ótimo, pois com isto fico também
desobrigado de meu juramento! - Odin suspendeu no ar a mão que alimentava seus
dois lobos, Geri e Freki, e ordenou,imediatamente, que um servidor fosse chamar
seu filho Thor.
- Thor, preciso que, mais uma vez, faça uso de
seu martelo Miollnir para derrotar este gigante impostor! - disse Odin, depositando
todas as esperanças em seu valente filho.
Thor não esperou segunda ordem: empunhando seu
martelo e afivelando bem à cintura o seu cinto de força, foi até o gigante, que
empilhava, freneticamente, imensos pedregulhos no afã de terminar logo a sua
tarefa. O rio de suor, que lhe escorria dos membros, fizera com que a neve ao
seu redor tivesse derretido toda.
- Ora, vejam...! - disse Thor, ao se aproximar
dele. - O pequeno construtor virou, então, de uma hora para a outra, um gigante
atarefado?
- Fique longe de mim! - disse o outro,
carregando em desespero a última pedra que faltava para completar o muro.
Porém, antes que tivesse tempo de colocá-la
sobre o último vão do muro, Thor arremessou seu martelo com tal força e
velocidade, que a cabeça do gigante se esmigalhou inteira.
- Aí está, patife, o seu pagamento! - disse o
deus, recolhendo Miollnir. O gigante teve, logo em seguida, o restante de seu
corpo jogado nos gelos eternos de Niflheim.
- E então, tudo correu bem? - disse Odin ao
filho, tendo ao lado Idun.
- Já deve estar construindo seus muros na
terrível morada de Hei! - disse Thor,enquanto retirava sua pesada luva de
ferro.
Todos os deuses regozijaram-se com uma grande
festa, aliviados que estavam pela derrota do gigante. Entretanto, em meio a
ela, alguém perguntou:
- E Loki? Que fim levou o espertalhão?
De fato, Loki havia desaparecido de Asgard
desde o instante em que entrara na floresta com o garanhão do gigante. Durante
muito tempo, ninguém ouviu falar dele até que, um belo dia, ressurgiu, trazendo
um belíssimo e prodigioso cavalo negro de oito patas.
- Ora, viva! Finalmente, reapareceu! - exclamou
Odin, que, no entanto, parecia mais interessado no cavalo do que no deus
desaparecido.
- Apresento a vocês Sleipnir, o cavalo mais
veloz do universo! - disse Loki, todo sorridente.
Loki, por mais incrível que possa parecer,
tornara-se pai de um cavalo; mas, para quem já havia sido anteriormente pai de
um lobo e de uma serpente, não havia nisto nada de surpreendente. Entretanto,
percebendo que Odin apaixonara-se, perdidamente, pelo cavalo, tratou logo de
lhe dar o animal de presente na esperança de fazer com que esquecesse,
rapidamente, de suas trapalhadas.
E foi assim que Odin se tornou dono do cavalo
mais veloz do universo.
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