O
desaparecimento de Mjollnir
Lendas Nórdicas
Thor, deus do trovão e filho de Odin,
despertou, certa manhã, com uma estranha sensação: a de que lhe faltava algo
muito importante.
"Que vazio é este, que tanto me
angustia?", perguntava-se o deus desde o instante em que abrira os olhos.
Esta desagradável sensação prolongou-se pelo
resto da manhã até que o deus finalmente, deu-se conta do que era, quando
encontrou um bilhete justo no lugar onde costumava guardar seu martelo
Miollnir.
"Caro Thor: caso deseje retomar a posse de
seu poderoso martelo, favor entrar em contato comigo, pois eu o escondi sob as
profundezas da terra, em um local ignorado. Estou aberto a toda negociação.
Assinado:
Thryn, da maravilhosa raça dos Gigantes."
- Loki! Loki! - bradou Thor, exigindo a
presença do trapaceiro deus.
Em instantes, o deus de longos cabelos lisos e
escarlates estava à sua frente.
- O que houve, poderoso Thor? - disse Lotei,
assustado.
- Aquele maldito Thryn furtou meu martelo! -
disse Thor, quase possesso. - Quero que vá, imediatamente, até ele para saber
quais são os termos da sua proposta para efetuar a devolução de Mjollnir. Você
é descendente daquela raça maldita e saberá engambelá-lo melhor do que eu. Caso
contrário, eu mesmo irei até onde este verme se esconde e o esmagarei!
Antes de partir, Loki foi até Freya, a deusa do
amor, para lhe pedir um favor.
- O que quer aqui a esta hora? - disse ela,
mal-humorada e com cara de sono, pois acordava sempre muito tarde.
- Preciso que você me empreste o seu casaco de
pele de falcão para cumprir uma importante missão para Thor - disse Loki.
- Aonde vai?
- Houve um terrível furto!
- Furto...? Que furto?
- O gigante Thryn furtou o martelo de Thor!
- Que horror! - disse a deusa, tornando-se
rubra. Depois, indicando o local onde guardava seu casaco, completou: - Vamos,
pegue-o e trate logo de recuperar a arma do pobre Thor!
Freya sabia muito bem que, sem seu martelo,
Thor não poderia defender Asgard de um eventual ataque dos gigantes, seus
tradicionais inimigos.
Loki envergou o casaco e se metamorfoseou,
logo, em um elegante falcão de penas rubras como o fogo. Assim travestido,
percorreu as amplidões que levavam à morada dos gigantes, em Jotunheim. Após
circular por vários locais, acabou por descobrir a caverna
onde se escondia o temível Thryn. Em instantes,
pousou na entrada do gélido covil e disse com a voz mais nobre possível:
- Ó Magnânimo Thryn, vim buscar o martelo do
Magnífico Thor!
- Entre logo, miserável Loki - disse uma voz
algo displicente.
A caverna era toda decorada por dourados e
polidos escudos, que reflectiam as luzes das tochas, a tal ponto que quase se
cegava lá dentro.
- Nossa, quanta luz!... - exclamou Loki, pondo
a mão sobre os olhos.
- É que sou meio míope e gosto de tudo às
claras - disse o gigante, refestelado em seu esplêndido trono.
- Se gosta de tudo às claras, diga-me, logo,
onde está Miollnir e retornarei para Asgard com os seus melhores votos.
- Você retornará para Asgard - disse o gigante,
ajeitando melhor o fantástico traseiro sobre a almofada de veludo escarlate -,
mas é para me trazei- a adorável Freya em paga do brinquedinho de Thor, que,
certamente, levará de volta depois.
Mas, Loki não seria Loki, se ousasse sair da presença
do gigante sem lhe dar uma resposta à altura.
- Perdão, poderoso gigante - disse ele, com o
ar tão sereno quanto possível -, mas jamais poderá usar o martelo sem as luvas
de ferro de Thor.
- Nem eu, nem ele - respondeu, secamente, o
gigante. - Não me obrigue, agora, a repetir tudo o que já lhe disse.
Loki retornou rapidamente e logo estava em
Asgard diante dos deuses. Depois de comunicar os termos da exigência de Thryn,
Loki teve de escutar os gritos furiosos da deusa do amor (ou seja, do sexo), que
em hipótese alguma admitia a idéia de ir se juntar ao asqueroso gigante. Thor,
a seu turno, também não admitia perder a mais bela das deusas, enquanto que
Odin, o deus supremo, bateu no chão diversas vezes com sua lança Gungnir,
soltando várias imprecações contra o pérfido. Assim, estiveram por um bom
tempo, até que Loki teve uma idéia que julgou excelente.
- Eis o que faremos - disse ele, tomando a
palavra. - Thor e eu iremos até a morada do gigante travestidos de mulher; ele,
de Freya, e eu, de sua escrava.
- Está louco? - disse Thor, brandindo seu punho
na direção de Loki. - O que dirá de mim aquela raça degenerada dos gigantes,
quando descobrirem que ando por aí vestido de mulher?
- Dirão, poderoso Thor, que você é um deus
muito inteligente e que recuperou seu martelo após haver engambelado todos
eles! - disse Loki, recorrendo ao eficientíssimo recurso do apelo à vaidade.
O deus do trovão ainda relutou um pouco, mas
não descobrindo outro recurso,acabou por ceder.
- Deixe-me ver seus vestidos - disse o deus à
Freya, meio desenxabido.
Depois de ele e Loki terem passado em revista o
infinito guarda-roupa da deusa da fertilidade, acabaram por escolher duas peças
menos chamativas. Em seguida, tiveram seus rostos pintados por uma pesada
maquiagem para ocultar a sombra que suas barbas raspadas haviam deixado.
- Vamos de uma vez! - disse Thor, que decidiu
sair durante a noite em sua carruagem puxada por duas cabras, para não chamar
muito a atenção.
Aquela foi uma viagem muito constrangedora. Um
silêncio desconfortável acompanhou-os durante toda a viagem até que,
finalmente, chegaram aos domínios do gigante Thryn.
- Oh, Freya adorável! - exclamou o gigante, que
não era lá muito bom das vistas - Você veio, então! E esta donzelinha
encantadora, quem é?
Loki baixou os olhos, como uma boa serva.
- É minha escrava - disse Thor, dando um tapa
na cabeça de Loki. - É meio fraca dos miolos. Mas, falemos de nós, audaz
gigante!
- Oh, sim, falaremos muito de nós! - disse
Thryn, levando Thor e Loki para seus amplos salões.
Ali, um magnífico banquete de núpcias estava
preparado para recepcionar aquela que imaginavam ser a deusa do amor e sua bela
escravinha. Os dois foram logo instalados à mesa, cercados de gigantes de
colossal estatura e de suas respectivas esposas. Thor e Loki foram servidos
regiamente: o deus do trovão, que trazia uma fome tremenda da viagem, não se
fez de rogado e se serviu à vontade. Pilhas de carne foram tragadas por ele
junto com oito salmões recheados de pequenas carpas e quatro barris inteiros de
hidromel, além de uma quantidade fantástica de doces, o que encheu de assombro
o seu "noivo".
- Nossa, Freya, não sabia que tinha tanto
apetite! - disse Thryn, boquiaberto.
- Permita-me, poderoso Thryn, explicar-lhe o
motivo - disse Loki, disfarçado de escravinha. - É que a deusa esteve tão
ansiosa estes dias que antecederam à nossa viagem, que não teve ânimo para pôr
nada entre os dentes antes de estar ao seu lado.
Thryn deu um largo sorriso de satisfação que
lhe arreganhou os dentes.
- Muito bom escutar estas coisas! - disse o
gigante, deliciado com aquelas palavras.
- Muito bom mesmo, assim vale a pena...!
Empolgado por aquela declaração indirecta de
amor, o gigante aproximou seus lábios de Thor e tentou roubar-lhe um beijo. A
"deusa", entretanto, lançou-lhe um olhar tão furioso, que as carnes
do gigante tremeram por cima dos ossos.
- Não é nada, não se assuste! - disse Loki ao
ouvido de Thryn. - É apenas o nervosismo que antecede o grande momento...
O "grande momento"! Esta expressão
trouxe à imaginação do gigante um mundo de fantasias tão sublimes que,
entusiasmando-se, chamou logo um criado.
- Traga, imediatamente, o martelo! - disse ele.
Um lacaio trouxe o magnífico Mjollnir. Os olhos
de Thor faiscaram, enquanto ele remexia as suas saias em busca de sua luva de
ferro.
- Coloquem-no entre os joelhos de Freya! -
ordenou Thryn, incontinenti. - Assim, estará simbolizada a devolução e o nosso
casamento!
Um dos lacaios aproximou-se, reverentemente, e
colocou Miollnir entre os joelhos da falsa Freya.
E, aqui, começou o massacre. Tão logo Thor teve
ao seu alcance a sua devastadora arma, retirou de dentro das saias a sua mão
enluvada e tomou do martelo. Com a outra mão ergueu a mesa e a lançou de
encontro à parede com pratos, talheres, sopeiras douradas e tudo o mais.
Um alarido de medo escapou da garganta dos
gigantes, quando Thor, desvencilhando-se das suas dominadas roupas, partiu para
cima dos seus adversários,eliminando, em primeiro lugar, o seu noivo com uma
poderosa martelada no crânio. Logo em seguida, arrasou com tudo, de tal forma,
que nem as gigantas ou os lacaios escaparam de sua fúria. Terminado o massacre,
subiu de novo no seu carro, junto com Loki, e retornaram ambos para Asgard,
levando consigo o martelo e sua honra restaurada.
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