Um peixe na sala
- Não
gosto nada que olhem para mim - dizia o peixinho vermelho com riscas azuis, que
morava no aquário.
Era um
grande globo de vidro, enfeitado com algas, umas verdadeiras, outras a fingir,
e estava, em lugar de destaque, na sala da tia Elisa.
Quem ia
fazer uma visita à tia Elisa dava sempre uma mirada ao peixinho, que revolteava
na água, muito enervado.
-
Detesto que me observem - dizia o peixe. - Se as pessoas vivessem em aquários
também não gostavam que andassem a espreitar para dentro das casas delas.
E o
peixinho tentava esconder-se por trás de umas algas, mas sem nenhum êxito. Ou
sobrava cauda ou sobrava cabeça.
A tia
Elisa, que era uma simpática velhinha, cuidava dele com todo o desvelo. O peixe
conhecia-a bem e agradava-se das suas atenções. Era, aliás, a única pessoa que
ele tolerava.
Mas a
tia Elisa adoeceu. Doença grave. Vieram os médicos, parentes e amigos, que
passaram a falar em voz baixa na sala de visitas, com ar muito preocupado. A
única coisa que lhes atenuava a preocupação era o peixinho vermelho com riscas
azuis, revolteando, alegre e indiferente, no meio do seu globo de vidro. Alegre
e indiferente, julgavam eles, porque o peixinho não parava de queixar-se:
-
Embirro que olhem para mim. Esta gente toda não tem mais nada que fazer senão
postar-se, de olhos arregalados, diante do meu aquário?
Uma
dessas pessoas, que distraidamente observava o peixe, teve o seguinte desabafo:
- Não
sei quem vai cuidar do peixe, quando a tia Elisa desaparecer.
Para o
peixe, a tia Elisa há muito que tinha desaparecido. Desde que adoecera. Quem
lhe polvilhava a superfície da água com a ração diária de comida era uma
empregada, mas sem as gentilezas da tia Elisa. O peixe sentia a diferença.
Até que,
um dia, a tia Elisa morreu. Ficou a sala que tempos sem visitas, de cortinas
descidas, portadas cerradas. Mas o peixe sentiu-se mais aliviado.
Entretanto,
vieram os sobrinhos para desfazer a casa.
- Quem
quer ficar com o peixe do aquário? - perguntou um deles.
Nenhum
queria.
-
Deita-se o peixe para o tanque do quintal - decidiu um e os outros concordaram.
O
peixinho vermelho com riscas azuis foi parar a um tanque de águas profundas.
Podia nadar à vontade, pelo meio das sombras e dos lodos, que já ninguém o via.
Foi
então e só então que o peixe vermelho começou a sentir saudades do tempo em que
todos olhavam para ele.
António
Torrado
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