A Estrela de prata
Numa árvore que eu cá sei – que nós sabemos – estão
uma estrela de prata e uma bola de cristal.
— O que fazemos aqui? — perguntou a estrela.
— Estamos a enfeitar — respondeu a bola.
— O que é enfeitar? — perguntou a estrela.
— É fazer vista, ornamentar, alindar… — respondeu a
bola de cristal.
Passou-se um tempo e a estrela perguntou de novo:
— Porque estamos a enfeitar?
— Porque esta árvore não é como as outras. Os frutos
dela são raros. Aparecem um dia, luzem o seu quê, conforme sabem ou podem, e
depois são colhidos e guardados, até para o ano.
A bola de cristal tinha muita experiência de outros
Natais, ao passo que a estrela era nova, de prata fresca, e não sabia quase
nada. Mas tinha ouvido falar que havia estrelas cadentes, estrelas que caem do
céu e no céu desaparecem, num sopro de luz.
— Não serei uma dessas? — perguntou à bola.
— Talvez sejas, talvez não sejas… Mas não
experimentes.
Passou-se um tempo mais, e a estrela guardou para si
aquela ideia, uma ideia pequenina. “Não experimentes”, dissera-lhe a bola. E se
experimentasse? Foi o que fez.
Caiu, num susto, mas como era leve, inocente e frágil,
uma corrente de ar, vinda de uma porta aberta, algures, levou-a consigo.
Levou-a consigo e fê-la poisar, sem estrago, no fofo
musgo.
— Olha, é a estrela da gruta — disse alguém que estava
a armar o presépio.
E estrela do presépio ficou.
Donde estava, onde a puseram, via o presépio, os
pastores, os reis magos, as lavadeiras com a trouxa à cabeça, as leiteiras com
a bilha à cinta, os vagabundos, o moleiro, o azeiteiro e todo o povo do
presépio e mais as pessoas de carne e osso, que vinham admirar aquela lindeza,
sorrir para o Menino Jesus e olhar para a estrela, suspensa do alto da gruta.
Estrela de oito pontas que era, a apontar em todas as
direcções, nem ela sabia para onde, brilhou imenso.
Brilhou o mais que pôde.
Para o ano, a estrela de prata já tem muito que contar
à bola de cristal.
António Torrado
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