O castelo de areia
Era uma
praia muito carregada de gente. Toldos e barracas de lona tapavam a vista do
mar. Chapéus-de-sol, em cacho, uns sobre os outros, tapavam a vista do céu.
Para que
um banhista, mesmo magrinho, conseguisse estender a toalha de banho sobre a
areia, tinha de pedir ?Com licença, com licença" aos vizinhos, para que se
chegassem um pouco mais para o lado. Então, toda a praia se movia, à esquerda e
à direita, como uma onda e as pessoas, sucessivamente, diziam ?Com licença, com
licença", a pedirem espaço ao vizinho do lado, até nos dois extremos da
praia os últimos banhistas gritarem: ?Não apertem mais!" E estes últimos
banhistas acabavam por ter de ficar em pé, de encontro à muralha.
- Quero
fazer um castelo de areia - disse o menino, que tinha trazido para a praia um
balde novo e uma pá e um ancinho.
- Só
quando o teu pai for tomar banho - disse a mãe.
- Para
que lado é que é a água? - perguntou o pai.
- Acho
que é para ali - apontou a mãe. - Foi donde veio ainda agora aquele senhor, que
está a limpar-se.
O pai,
para ter a certeza, foi perguntar ao tal senhor:
- O mar
estava bom?
- Não
sei - respondeu o senhor, que esfregava furiosamente a cabeça com uma toalha. -
Não encontrei mar nenhum. Para me refrescar, tive de ir tomar duche a um
balneário.
- Se
fosse a ti não saía de ao pé de nós - disse a mãe do menino. - Vais e, depois
nunca mais nos encontras, no meio de tanta gente.
- Então
quando é que eu faço o castelo de areia? - perguntou o menino, já amuado.
-
Descansa que eu vou já tomar banho - disse o pai. - Para voltar, oriento-me
pela cor do nosso chapéu-de-sol.
- Há
milhares de chapéus-de-sol iguais - disse a mãe, mas o marido dela e pai do
menino já ia longe.
Ia, todo
satisfeito, a caminho do mar, embora só muito mais tarde viesse a descobrir,
quando chegou à estrada, que se tinha enganado.
O menino
pôs-se a construir o castelo de areia, cheio de entusiasmo. Depois de ter
erguido o torreão e a primeira cintura de ameias, lembrou-se de pedir à mãe:
- Quero
um gelado.
A mãe
escusou-se, explicando-lhe que se ela fosse procurar a barraca dos gelados, ia
ser muito difícil depois dar de novo com o sítio onde estavam.
Mas o
menino insistiu tanto, que ela acedeu.
No
bocado de areia deixado livre pela mãe, o menino acrescentou ao castelo uma
segunda cintura de muralhas e um fosso todo à volta. Estava um trabalho
perfeito e já com uma certa dimensão.
Passou
que tempos.
- Estou
cheio de fome - gritou o menino, sem tirar os olhos da sua construção, que já
tinha preenchido todo o espaço disponível.
Um par
de namorados, que estava estendido ao lado, condoeu-se daquele menino, que se
perdera dos pais, e foi procurar o cabo-do-mar, para dar-lhe conta da
ocorrência. Os namorados partiram de mão dada, tendo a mãe da rapariga
recomendado que não se demorassem.
Pois
sim. A verdade é que se demoraram, tanto que a mãe da rapariga, muito enervada,
resolveu ir à cata deles, pela praia fora.
A obra
crescia a olhos vistos. Era um imponente amuralhado com várias cercas e fossas,
torres anexas e trincheiras defensivas, esculpidas com primor pelos dedos
hábeis do menino, esquecido de tudo o mais à sua volta.
Preenchia
uma importante extensão de terreno, que até parecia impossível que, no aperto
de tanta gente, ainda houvesse um quadrado de areia disponível para um menino
brincar tão à vontade.
Declinava
o sol, quando o pai regressou, tiritando. Logo a seguir apareceu a mãe, com um
gelado todo derretido. Abraçaram-se, como se já tivessem perdido a esperança de
voltarem a encontrar-se.
- Este
dia correu muito mal - concordaram os pais.
Só o
menino não era da mesma opinião.
António
Torrado
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